Algo de especial aconteceu naquela tarde de primavera em uma localidade desconhecida do interior de Portugal. Enquanto boa parte do Velho Continente se conflagrava em uma guerra sangrenta que envolvia (pela primeira vez na história) armas químicas e tanques; enquanto a Rússia vivia a ebulição de uma revolução que transformaria o mundo; enquanto milhões morriam de maneira rápida e atroz vitimadas pelo vírus da gripe espanhola, três crianças pastoreavam algumas ovelhas em uma grota cercada de oliveiras. Uma luz chamou sua atenção e uma voz chamou pelos seus nomes. A aldeia de Fátima e a fé católica nunca mais seriam as mesmas.
A aparição de Nossa Senhora a Lúcia (10 anos), Francisco (9 anos) e Jacinta (7 anos) em 13 de maio de 1917 na Cova da Iria, no lugarejo de Fátima, foi o primeiro de seis eventos que o Vaticano denomina milagrosos. O que no início era considerado mera imaginação de três crianças pobres do campo – o primeiro religioso a interrogá-los foi extremamente rude com elas e tinha a convicção de que estavam mentindo – tornou-se, em pouco tempo, um fenômeno que movimentou multidões em romaria. A visão que tinham era a de uma mulher que, nas palavras de Lúcia, a mais velha do grupo, “brilhava mais que a luz do Sol e tinha o vestido mais alvo que a neve”, com “as mãos juntas em oração” e que se elevava aos céus em uma tênue nuvem quando ia embora.
Os pastores de Fátima
Francisco Marto, o único menino do grupo, morreu dois anos depois das aparições, com apenas 10 anos de idade.
Jacinta, a mais jovem dos pastores, também só teve 10 anos de vida, morrendo em 1920.
Lúcia foi a única que viveu até a velhice. Ela também era a portadora dos três segredos ou mistérios de Fátima, revelados em sua totalidade apenas recentemente (ver matéria abaixo). Lúcia tornou-se freira da Ordem das Carmelitas Descalças e viveu na cidade portuguesa de Coimbra, próximo a Fátima, até 2005, quando morreu prestes a completar 98 anos de idade.
A celebração do centenário das aparições em Fátima também marca a canonização de Francisco e Jacinta, que já haviam sido beatificados pelo papa João Paulo II em 2000. Lúcia foi beatificada em 2006. O papa Francisco é o celebrante da cerimônia em que os pastorinhos de Fátima passam a ser considerados santos pela Igreja Católica.
Com voz carinhosa, a mulher envolta em luz anunciou que nos próximos meses apareceria novamente sempre no dia 13 e, por intermédio das crianças, deixar uma mensagem a um mundo convulsionado. “Ides, pois, ter muito o que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto”, alertava Maria. “Rezem o terço todos os dias para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra”, pedia. Na segunda aparição, havia já 50 pessoas no local, mas só as três crianças conseguiam ver Nossa Senhora. Na terceira aparição, 2 mil pessoas se aglomeravam num pequeno trecho do campo. Lúcia hesitou em ir, mas algo a impeliu. Talvez adivinhasse que os segredos de Fátima lhe seriam transmitidos daquela vez.
Segredos revelados. Ou não?
Um dos mistérios que mais despertaram curiosidade na Igreja Católica nos últimos séculos começou em Fátima e só terminou na Praça de São Pedro, no Vaticano, em uma situação dramática. Quando um século atrás a Virgem Maria apareceu para as crianças pastoras portuguesas, ela teria contado três segredos que influiriam em toda a humanidade. Previsões que Lúcia – a única das três crianças que teria visto, ouvido e conversado com Maria, já que Jacinta teria visto e ouvido a Virgem, enquanto Francisco teria apenas visualizado a Mãe de Jesus – precisava interpretar. Na verdade, tudo é dito por parábolas, exigindo ser compreendidas. E isso sempre gerou polêmicas.
Lúcia revelou os dois primeiros segredos logo após as aparições. O primeiro segredo era uma descrição do inferno. Já o segundo trataria da conversão da humanidade ao Imaculado Coração de Maria, com especial atenção para a Rússia, que na época tornava-se um império comunista (e anti-cristão) sob a designação de União Soviética. As mensagens relacionadas a este segredo, porém, mencionam a 1ª Guerra Mundial e só em 1929 há a primeira alusão à Rússia. Isso foi visto por muitos como um posicionamento geopolítico da Igreja, que faria de Fátima uma arma de propaganda contra a ameaça comunista. Uma suspeita que se fortaleceu ainda mais porque as interpretações dos textos eram sancionadas pela alta hierarquia do Vaticano.
O terceiro segredo de Fátima, porém, manteve-se resguardado até o ano 2000, quando, sob a autorização da irmã Lúcia, foi finalmente revelado pelo papa João Paulo II em sua última visita a Fátima. Ele estaria relacionado com o atentado sofrido por ele exatamente em um 13 de maio, o de 1981, quando o atirador turco Ali Agca acertou dois tiros no pontífice na frente a Basílica de São Pedro, no meio da multidão. Os três segredos de Fátima foram interpretados e descritos por Lúcia nos anos 1940 e desde aquela época a Igreja sabia que o terceiro mistério falava de um bispo vestido de branco que poderia ser morto por arma de fogo. João Paulo II acreditava que só escapara da morte naquela oportunidade por intervenção de Nossa Senhora de Fátima.
No dia 12 de agosto de 1917, véspera da quarta aparição, as crianças foram retiradas de casa por um administrador local, que queria evitar que elas comparecessem ao local onde se davam as visões, o que poderia gerar tumultos, uma vez que milhares de pessoas aguardavam esse momento. Elas foram mantidas incomunicáveis até o dia 15. No dia 13, porém, as pessoas foram até a Cova da Iria e ouviram um trovão tremendo, mesmo como o céu limpo. A única exceção era uma tênue nuvem branca que pairava sobre as plantas. Em todas as aparições aquela espécie de névoa quase transparente era visível por todos. Era sobre ela que as crianças afirmavam que viam Nossa Senhora.
Ainda assim, as crianças teriam sido avisadas para que continuassem rezando o terço e chamadas a comparecer no dia 13 de setembro. Nesta data, perto de 20 mil pessoas se acotovelavam nas imediações. Sobre arbustos espinhosos da Cova da Iria, as crianças voltaram a ver a Virgem Maria. Desta vez, segundo testemunhos da época, ocorreram alguns fenômenos atmosféricos estranhos, como uma penumbra que teria feito o céu ficar com uma forte tonalidade amarelada, mais escura. Novamente Maria teria rogado ao povo para que rezasse mais e pedisse perdão por seus pecados.
A última aparição de Fátima, porém, foi a que mais gerou comoção e espanto. Nada menos que 50 mil pessoas se deslocaram para lá e aguardaram o grande momento. Chovia torrencialmente. Depois de um tempo em que as crianças conversaram com Maria, Lúcia, a mais velha, pediu para que todos rezassem juntos, mas sem os acessórios para se protegerem da chuva. Sombrinhas e guardas-chuva foram fechados e a tormenta parou. Mais que isso, as pessoas que ali estavam sentiram um calor acima do normal e muitos garantem ter visto o Sol se aproximar da multidão, secando roupas e evaporando poças d’água. As pessoas conseguiam olhar para o grande astro sem ferir as vistas.
Jornalistas que foram a Fátima cobrir o evento confirmaram esta versão em suas reportagens. Existem registros do evento em vários documentos oficiais. Houve quem se desesperasse achando que seria carbonizado. Tudo demorou cerca de 10 minutos, com gritos, orações em voz alta, pedidos de clemência. No final, o Sol teria se afastado e Maria dito às crianças que havia cumprido a promessa de fazer com que todos cressem nas aparições com algo que pudessem ver e sentir. Foi a última visita de Maria aos três pastores.
Um lugar de paz
De Fátima (Portugal) – Fátima é um daqueles locais impossíveis de tirar da memória. Acredito quem mesmo quem queira, não o consegue totalmente. Alguma lembrança há de ficar de um espaço onde se respira tranquilidade e paz, pelo menos quando não se está no auge das romarias de maio. Em todos os outros períodos do ano, é um convite a acreditar que algo fora de nossa compreensão racional existe. O silêncio reinante, as sombras do pomar de oliveiras, o santuário que nos abraça logo à entrada, a ermida rústica e aberta construída onde ficava a Cova da Iria, local exato das aparições de Nossa Senhora um século atrás. Tudo contribui para que saiamos um pouquinho de nós mesmos, dos nossos medos, de nossas rotinas tantas vezes opressoras.
Uma esplanada ampla convida a chegar até ao grande santuário, que expande seus edifícios para o entorno, por onde circulam padres, freiras, monges e, claro, muitos fiéis. As colunas dão um ar de imponência ao lugar, mas nada que intimide. Pelo contrário, vamos entrar! Lá dentro os túmulos das três pessoas que protagonizaram as visões da Virgem Maria têm um espaço privilegiado no templo. Local para fazer orações, depositar flores, mas sem nenhum tipo de ostentação. Deveria mesmo ser assim, já que estamos falando de pastores pobres que teriam sido escolhidos para uma experiência inexplicável, justamente, por esta genuína simplicidade.
A ermida do lado esquerdo da esplanada é, porém, o lugar mais especial de todo o complexo. A Capelinha das Aparições, como é chamada, tem teto de madeira, paredes de vidro e uma entrada enorme sempre pronta a receber quem queira se sentar em seus bancos e assistir missas realizadas várias vezes ao dia. No altar fica a imagem de Nossa Senhora de Fátima em uma redoma de vidro. É evidente que toda a estrutura em torno do santuário é complexa e se distancia daquele despojamento da vida rural portuguesa de cem anos atrás. A atmosfera, porém, traz algo singular.
Se der sorte, você pode visitá-lo num dia em que o céu azul emoldure esse lugar com ainda mais beleza. A compunção dos romeiros, as velas que representam pedidos tão caros a quem os faz, os peregrinos que cumprem a extensão da alameda de joelhos pagando alguma promessa ou pedindo alguma graça envolvem tudo e todos. Não há vendedores circulando nas proximidades (as lojas das lembrancinhas ficam mais afastadas). Isso ajuda a meditar. Para quem acredita na vinda de Nossa Senhora ao interior de Portugal, visitar Fátima é uma dádiva. Para quem não crê neste milagre, vai encontrar ainda assim um local belíssimo e cheio de boas energias.