Professora de literatura e escritora, Eugênia Fraietta lança o livro Luquinianas, nesta sexta-feira, dia 15 de dezembro, às 19 horas, na Livraria Palavrear (Rua 232, nº 338, Setor Universitário). A obra reúne crônicas em que Eugênia relata episódios do cotidiano ao lado do seu filho Luca, hoje com 15 anos de idade, além de diálogos com ele. Os registros começaram desde quando Luca tinha 5 anos e são uma tentativa, como diz Eugênia na introdução do livro, de preservar o “brilho” dos momentos que viveu junto ao filho, “das suas descobertas”. Com ilustrações do designer Jader de Melo, Luquinianas é o primeiro livro de Eugênia, que manteve por muito tempo um blog, hoje desativado, em que publicava poemas e crônicas. O projeto do livro foi viabilizado por meio de financiamento coletivo, promovido na página do Facebook da editora do livro, a Ricochete. Leia a seguir a entrevista que Eugênia Fraietta, que é especialista em Teoria Literária pela USP e mestre em Literatura pela UFG, concedeu por e-mail a ERMIRA, em que falou sobre o livro, maternidade, infância, entre outros temas.
Seu livro reúne pequenos textos que narram histórias do cotidiano, diálogos, entre você e seu filho, Luca. O que a motivou a escrever esses textos? E como foi o processo de produção deles? Você mantinha uma rotina diária de escrita? E, por fim, como surgiu a ideia de reuni-los em livro?
A princípio, eu simplesmente registrava porque não podia deixar de fazê-lo. Não foi refletido, não havia um plano, uma meta. Registrava as cenas e algumas vezes mandava para as amigas e amigos por e-mail. Eu apenas queria registrar para não esquecer, porque achava tudo muito interessante, encantador. Registrava quando a cena acontecia, ao sabor mesmo da vida. Depois veio o tempo dos blogs, e passei a registrar em um blog que mantive por um tempo. Não houve nenhum cálculo, no sentido de intencionar uma publicação em forma de livro. Só mesmo o encantamento e o cuidado do registro o mais próximo do ocorrido. Aos poucos, percebi que mais pessoas se interessavam pelo marcador “Luquinianas” no blog, até que os amigos começaram a sugerir que eu publicasse. Há uns três anos, a Céline [Clément], editora da Ricochete, me propôs a publicação. Só então realmente me convenci que um livro era possível. Desde então viemos elaborando, amadurecendo o livro.
Na apresentação do livro, o professor e poeta Jamesson Buarque classifica o seu trabalho de “memórias literárias”. No seu próprio texto introdutório, contudo, você diz que os registros procuraram ser os mais fiéis possíveis aos episódios narrados. Como, então, você classificaria essa sua recriação, pela escrita, das experiências vividas junto ao seu filho?
É difícil isso de classificar em gênero… Eu gosto de chamar de crônicas, em função do processo, eu tentava capturar o tempo, aquele momento, aquela cena. A maioria das crônicas foi escrita em seguida à cena. Eu anotava as frases, as falas mais surpreendentes, mais curiosas e não muito tempo depois recuperava a cena de memória. Muitas vezes, foi quase simultâneo. Na ocasião da escrita, eu realmente buscava a fidelidade ao momento, como se fosse possível a captura do tempo. Mas depois fui percebendo que esse registro era outra coisa, um outro nascimento. A linguagem inaugura outro tempo. Era ilusória a objetividade. Por mais que eu me “apagasse”, tentasse esse apagamento para aprisionar a cena, o ocorrido já havia passado. O que restava era a linguagem que me remetia ao ocorrido, sendo outra coisa, outra existência. Nada disso, a meu ver, invalida o fato de serem também memórias, muito pelo contrário. Como eu disse, tentar ser fiel é muito mais uma disposição que a garantia de um resultado de fidelidade objetiva, incontestável. Também gosto e concordo com “memórias literárias”.
Ainda neste texto introdutório, você diz que o nascimento do Luca representou uma revolução “inaudita” na sua vida. O seu livro também por ser lido como um exercício reflexivo sobre a maternidade?
Eu penso que sim, foi um exercício sobre a maternidade, como também sobre a infância. Para mim, as duas existências, a da mãe e a da criança, eram inseparáveis. É uma tremenda aventura tornar-se mãe, um desatino. Uma reformulação completa de tudo, como se tudo saísse do lugar. Eu aproveitei, aproveito, ao máximo essa chance, chance de desaprender. Penso que parte de ser mãe é isso, desaprender, desaprender e inaugurar. E para isso dar certo, ser bom, valer a pena, é preciso olhar, perceber a criança, a que está crescendo diante de você e a que está em algum lugar em você.
Por outro lado, nessas pequenas histórias vividas ao lado do seu filho, você vai descortinando aos poucos as descobertas dele, o seu encantamento e as suas perplexidades diante do mundo. No momento em que escrevia, também pensou em sua própria infância?
Justamente. Não dá pra desvencilhar, nessa minha experiência de registrar, a relação entre me fazer mãe e testemunhar e experimentar a infância. Eu pensava muito na minha infância. Não tinha muitas lembranças nítidas, tinha mais sensações. Mas pensava, sobretudo, na criança que me disseram que tinha sido. Essa criança a que eu mesma não tinha acesso pela memória, mas pelo que ouvi da minha mãe, de algumas pessoas da família. Eu fazia comparações. Tentava me lembrar de mim. Esse aspecto da experiência de registrar a infância dele, do Luca, foi mais… melancólico, talvez. Nem sempre eu coincidia. Nem sempre aceitei, acreditei, me reconheci na criança que me disseram que fui. Mas penso que é assim mesmo, tem um tanto de criança em nós que foram os outros que nos deram. Seja como for, penso que recuperei uma infância para mim enquanto registrava a dele.
Você compartilhou esses textos com o Luca? Ele, de alguma forma, foi coautor deles? E como está sendo a reação dele ao trabalho?
Sim, compartilhei. Quando ele me perguntava o que estava escrevendo, muitas vezes eu falava que estava registrando o que tinha acontecido, porque tinha achado engraçado, bonito, curioso. E ele não dava importância. Ele tinha as histórias dele pra cuidar. Quando surgiu a ideia de fazer o livro, expliquei tudo para ele e ele disse que era “massa”. Não penso em coautoria, penso nele mais como um personagem. Hoje ele está com 15 anos e está animado com o livro, com o lançamento. Mas mantém uma distância muito elegante, pelo menos vejo assim. É um projeto meu, não dele. E ele sabe disso e aprecia, admira. Esses dias ele me disse que o livro é mérito só meu. “É seu rolê, mãe. Eu só entrei com o meu nascimento.” E demos risadas.
Você também tem uma atuação como feminista. Sob essa perspectiva, como você pensa a relação entre mãe e filho?
Essa reflexão, sim, dá outro livro. Penso que essa relação mãe e filho é imensa para o feminismo, para propor, colaborar, lutar mesmo por um mundo justo com as mulheres. E com os homens também. Ter um filho neste mundo faz pensar nos malefícios descomunais do machismo também para os meninos. E é uma oportunidade de agir. Não somos só nós, as mães, que criamos nossos filhos, claro. Mas é uma relação fundamental para a constituição da pessoa. A mãe feminista é uma figura complexa até para as feministas, e mãe de filho, então… Na nossa relação, feminismo é mais que um assunto, é uma ética mesmo.
Adorei. Não conhecia.