Seu pai a chamava de carajá, em referência aos primeiros habitantes das margens do Rio Araguaia. Apesar da morenice da pele, dos cabelos negros e lisos, Iza Costa diz que, se tiver alguma ascendência indígena, esta vem de “muitas gerações para trás”. Independente da herança genética, o fato é que a cultura indígena é uma presença forte em sua arte, desde a estreia no circuito de exposições, há 55 anos. “Nasci no mato há 75 anos, na fazenda perto de Anicuns. Sou ligada à terra, à natureza, ao meu jardim. Sou selvagem”, define-se.
Na coleção Memórias, em cartaz no Museu de Arte de Goiânia, os índios dividem a atenção com belas paisagens campestres, objetos, máscaras, ídolos, folclore e folguedos da cultura goiana, detalhes de murais e joias em prata e pedras brasileiras. Reminiscências, enfim.
Iza Costa apresenta 16 telas de índios em meio a paisagens, reciclagens, colagens, desenhos, papiros, madeira, joias em diferentes materiais. Nas mãos da artista, tudo é válido para alcançar o resultado. Até um pedaço de madeira carcomido pelos cupins transforma-se numa bela pintura abstrata de colorido intenso. Antigas máscaras africanas há muito esquecidas em um canto do ateliê ganharam detalhes em pedraria e cores que a transformaram em peças exclusivas. Recortes e colagens compõem homenagens aos seus ídolos Che Guevara, Gabriel García Marquez, Khrisnamurti, Diego Rivera.
Iza Costa vive há décadas numa chácara em Bela Vista de Goiás. Só sai de lá quando é necessário, como para conceder esta entrevista exclusiva a ERMIRA. “Sou muito feliz na minha chácara. Não saberia viver em outro lugar”, assegura. O enorme ateliê, ao lado da casa principal, remete a uma capela típica de um lugarejo mexicano, incluindo a cruz no topo do telhado. É lá que Iza passa grande parte do tempo. Infelizmente, os problemas de saúde têm exigido mais comedimento, mais calma com os pincéis e um afastamento gradativo do ateliê.
“Acordo todos os dias às 4 horas da manhã. Faço tudo que preciso pela manhã. À tarde descanso. Quando começo uma fase que estou gostando, vou em frente. Não mais como antigamente. Eu pintava um quadro em um dia. Só parava quanto terminava. Agora demoro quase um mês para terminar”, lamenta a artista, que desenvolveu uma maneira própria de pintar. Nada especial, segundo ela.
Iza não faz estudo em papel como muitos artistas. Primeiro, desenha na tela com carvão. Em seguida, espalha a tinta em toda a tela, deixando secar por uns dois dias. Só então retoca o desenho, dando o efeito característico com pinceladas vigorosas. “Com o tempo a gente vai encontrando o jeito melhor de pintar.” Diversifica os materiais ao máximo. Porém, não foge aos temas, à técnica, aos tons vibrantes da palheta de cores.
Cultura mexicana
Iza Costa tem tanta paixão pela cultura mexicana que até construiu suas casas inspiradas na arquitetura típica do México. Construiu um cantinho todo seu para trabalhar em paz no silêncio do campo, ouvindo o canto de pássaros, as folhas caindo no chão. Ali no seu recanto tão sonhado encontra o necessário para criar. “Está tudo precisando de reforma. Mas ainda é bonito”, ressalta a artista, que viveu um ano no México no final dos anos 1960, quando participou de um curso de gravura em metal. Retornou àquele país outras vezes. “Faço muito índio mexicano com detalhes brasileiros”, diz. De volta a Goiânia, deixou a gravura. Fez xilogravura colorida, uma técnica que desenvolveu fazendo experimentações. Realizou três exposições de obras utilizando a técnica feita em madeira. Ganhou prêmios.
“Normalmente a xilogravura é feita com tinta preta. A minha era colorida, diferente da tradicional. Dava mais trabalho, mas o resultado era muito interessante. Para fazer uma gravura colorida, é preciso ter três chapas de metal idênticas e imprimir uma em cima da outra milimetricamente. Na xilogravura, eu colocava as cores todas numa só chapa de madeira. Dava muito certo. Era trabalhoso. Nunca mais fiz”, detalha. Para ela, não há uma fase que seja mais importante que a outra na sua arte. O importante é que seja autêntica. “Meu trabalho é muito pessoal.”
O compromisso maior de Iza Costa é com a criação. Há 55 anos, faz arte, no bom sentido. Mesmo quando precisou de repouso por causa das dores na coluna, a imaginação fluiu sem trégua. Enquanto tratava as terríveis dores no nervo ciático, desenhou a série de joias que viraram peças exclusivas em prata 950 e pedras brasileiras. “Ficava deitada na cama desenhando. Depois passei para o artesão confeccionar”, conta a artista, que pela primeira vez as expõe no MAG. “Adorei fazer as joias. Se vou dar continuidade, não sei. Não é fácil vender. Sou péssima vendedora.”
Iza não tem marchand para vender sua obra. “A comissão das galerias é de 33%. Em Goiânia, os galeristas vendem com desconto, parcelam em várias vezes. Demora demais receber. Não ando fazendo muito questão de vender. Meus quadros são como filhos. Sou agarrada com eles”, conta. Iza já foi dona de galeria e sabe bem como o comércio de obras de arte funciona. Com as filhas Lara e Adriana, fundou a Santa Fé Galeria de Arte. “Foi um tempo muito bom. Até hoje os artistas falam que foi uma galeria realmente profissional. Tenho muita experiência na avaliação das obras, na divulgação dos artistas. Fechou porque minha filha não quis mais cuidar da administração, e eu jamais sairia do meu conforto para cuidar de galeria”, explica.
Na sua coleção particular, a artista possui pinturas que guarda com o maior carinho, como a série de desenhos Novos Tempos, confeccionada quando morou na Europa. Os trabalhos foram expostos, inclusive em Goiânia, mas nenhuma obra foi vendida. A outra é sobre as guerras do Oriente Médio. Iza realizou uma ampla pesquisa dos conflitos armados da região e o resultado foi a coleção Armageddon, exposta em 2001, na Fundação Jaime Câmara.
Iza Costa descobriu a pintura quando era adolescente, na casa de uma colega. “Vi os quadros na parede e fiquei encantada. Perguntei quem fazia. Ela me disse que era a irmã. Logo depois fui estudar pintura com uma professora. Quando terminei o colégio, fui fazer Belas Artes na Universidade Católica de Goiás”, conta. Na UCG, conheceu Frei Nazareno Confaloni, um dos fundadores da escola, e o artista plástico DJ Oliveira, que chegara a Goiás vindo de São Paulo. “Convivi pouco com Confaloni. Meu professor era DJ. Com ele aprendi técnicas diferentes, desenho. Tudo o que sei, aprendi com ele”, afirma a artista, negando qualquer tipo de influência de DJ na sua obra. “Minha influência é a arte mexicana”, assegura. DJ, na sua opinião, foi o artista que mais contribuiu para a arte em Goiás. “Ele ajudou muita gente: Siron Franco, Ana Maria Pacheco, eu e muita gente. Era um agregador. Nunca deixou de repassar seus conhecimentos aos outros artistas”, elogia.
A primeira exposição, ela recorda, foi em 1965, antes de viajar para o México, patrocinada pelo Departamento Estadual de Cultura pelo fato de ser a única aluna a concluir o curso de Belas Artes naquele ano. Já no México em 1966, participou do movimento artístico local, conheceu expoentes da arte local, como o muralista Siqueiros, e concluiu o curso de gravura e litogravura na Escola de Artes Plásticas da Universidade Autônoma do México.
Exposições
O currículo de Iza Costa é extenso. Versátil e inquieta, participou de dezenas de exposições individuais, coletivas, salões, bienais e homenagens no Brasil e no exterior (EUA, México, Europa). Conquistou 12 prêmios, como o Troféu Tiokô de Melhor Artista do Ano/2006. Entre todos, ela destaca o convite da Anistia Internacional para ilustrar o calendário de 1990 sobre os direitos humanos, distribuído no mundo todo. Foi a única artista latino-americana a receber a honraria, o que a deixou muito orgulhosa.
A obra da artista de Goiás integra respeitadas coleções na Europa, nos EUA e na América Latina. Faz parte do acervo particular do cantor norte-americano Sting. Desenvolveu outras atividades, como a pintura em murais (alguns desenhos/recortes estão na mostra do MAG). Em 1966, integrou o grupo de muralistas do artista mexicano Siqueiros, realizando na época o Mural de Cuernavaca, considerado o maior do mundo. Participou do projeto Galeria Aberta, em 1989, com o enorme painel Tucanos, pintado em um prédio na Rua 3, destruído posteriormente. Em 1990, participou da terceira etapa do Galeria Aberta, pintando o painel Ecológico nas paredes do prédio do Banco do Brasil, na Av. Goiás. Pintou também o grande mural do Fórum de Anápolis e outros três no Colégio Agostiniano. Com 80m2, um de seus mais belos murais está instalado na entrada do Colégio Militar Hugo de Carvalho Ramos, no Jardim Goiás. Em 1998, confeccionou o monumento aos Direitos Humanos no Tribunal de Justiça de Goiás.
Iza Costa é uma das maiores referências da arte em Goiás. Sua extensa obra expressa a realidade do homem primitivo da sua terra e da natureza ao seu redor, com uma conotação universal. Iza é múltipla, indiscutivelmente uma artista por inteiro. “A arte é o meu caminho. Se fosse fazer outra coisa, não seria feliz, não me sentiria realizada. Acho muito compensador tudo o que fiz. Sou muito sensível. Tudo me toca muito. Inconscientemente o sofrimento nos toca demais. Vou pintar até o fim…”
Serviço
Exposição: Memórias – Iza Costa
Dia: Até 1º de abril
Local: Museu de Arte de Goiânia (Rua 1 – Bosque dos Buritis, Setor Oeste. Telefone: 3524-1190)
Visitas: Terça a sexta, das 9h às 12h e das 13h às 17h. Sábados, domingos e feriados, das 8h às 18h.
Entrada franca