Mesmo quem tem pouco envolvimento com a arte da escrita conhece ou ao menos tem uma vaga ideia dos trabalhos do poeta, escritor e compositor Paulo Leminski (1944-1989). Seja na música, na publicidade, no jornalismo, seja na biografia e em programas de televisão. Sobretudo, sua poesia, aliás, a linguagem poética do curitibano está em todas as atividades que exerceu.
Caprichos e Relaxos (1983) é um exemplo de como a obra de Paulo Leminski tornou-se popular, estremecendo o mundo literário ao vender em 20 dias cinco mil exemplares – um feito para um volume de poesias. Proeza repetida em Toda Poesia (2012), que figurou em várias listas dos mais vendidos ao lado de best-sellers mais comerciais.
Vários estudos e biografias foram publicados sobre o autor de Catatau (1975). Mas um ensaio de quilate do também poeta, romancista e jornalista Rodrigo Garcia Lopes faz diferença, ainda mais pelo simbolismo de ser lançado pela Biblioteca Pública do Paraná: Roteiro Literário – Paulo Leminski (2019). A coleção, a cada título, traz à luz um escritor ou escritora paranaense, com o objetivo de preservar a memória histórica e cultural da região. Outros nomes já foram retratados: Jamil Snege, por Miguel Sanches Neto, e Helena Kolody, por Luísa Cristina dos Santos Fontes.
Talvez um dos mais icônicos de sua geração, Paulo Leminski foi contemporâneo de Ana Cristina César, Ledusha, Roberto Piva, Cacaso, Augusto de Campos, Décio Pignatari, Chacal, Haroldo de Campos, Zulmira Ribeiro Tavares, para citar apenas alguns nomes. Embora o trabalho do curitibano fique mais próximo da música de poetas-compositores como Antonio Cícero, Waly Salomão, José Carlos Capinan e Torquato Neto. Cada um deles publicou, pichou, mimeografou, teatralizou, cantou, filmou de um jeito obstinado.
O livro Roteiro Literário – Paulo Leminski é dividido em três partes: “Um Clássico Contemporâneo”, “Habitante da Linguagem” e “Besta dos Pinheirais”. Complementa a publicação uma seção intitulada “Geografia Literária”, com fotos de Eduardo Macarios e imagens pertencentes ao acervo fotográfico de Dico Kremer.
Na primeira parte, “Um Clássico Contemporâneo”, Rodrigo Garcia Lopes esmiúça a obra e a vida do poeta, realçando as incongruências e os paradoxos do admirador de Cruz e Sousa, Olavo Bilac e João Cabral de Melo Neto e sua procura por uma poesia mais comunicativa e menos autocomunicativa. O biógrafo de Matsuó Bashô via o poetizar como uma disciplina própria que envolvia subjetividade e praticidade.
Garcia Lopes não deixa de relatar o gosto por rusgas de Paulo Leminski, que, no entanto, não se perdeu em apenas dançar na prancha das polêmicas, mantendo o controle sobre seu percurso artístico. Os autores e pesquisadores de poesia que o influenciaram e a própria cidade de Curitiba ganham destaque, em meio a trechos pinçados de entrevistas, anotações, cartas e poemas.
Na sequência, em “Habitante da Linguagem”, Rodrigo Garcia Lopes aprofunda a análise de poemas e letras de música de Leminski, além de se deter sobre seu romance Catatau. O ensaísta parte da perspectiva de Ezra Pound, que influenciou diretamente o estudo e a produção poética de Paulo Leminski. A obra do linguista Roman Jakobson, como sublinha Garcia Lopes, também marca forte presença na genética leminskiana, e na construção da sua própria fortuna crítica.
Garcia Lopes destaca o poema visual ameixas, em que provocação e trocadilho demonstram-se atuais. Passeia pela teoria leminskiana do “inutensílio” e disseca o poema visual-concreto Metaformose, lançado na revista Invenção (1964). Explora ainda o gosto musical do artista e suas parcerias em Dor Elegante, com Itamar Assumpção; Promessas Demais, junto de Moraes Moreira, interpretada por Ney Matogrosso, e Verdura, na voz de Caetano Veloso, entre outras.
A terceira parte do livro, Besta dos Pinheirais, insere o tema do complexo relacionamento do artista e sua terra de origem: a reverência aos autores simbolistas Emiliano Perneta, Dario Veloso e Silveira Neto – baluartes e pratas da casa; os amores, amizades e afinidades com artistas como Alice Ruiz, Berenice Mendes, Helena Kolody, Wilson Bueno, entre outros, e ainda as discordâncias literárias com Dalton Trevisan e os embates com o crítico Wilson Martins.
“[…] Leminski faz falta na cena cultural e literária brasileira. Fico imaginando para onde teria ido sua poesia se ele tivesse sobrevivido. O que ele, que sempre interveio no debate cultural de seu tempo, estaria achando das coisas que andam acontecendo hoje na literatura, no mundo e no Brasil? […]”, comenta já nas páginas finais do ensaio Rodrigo Garcia Lopes.
Todo o exemplar traz um rico registro fotográfico, desembocando na última seção, “Geografia Literária”. O itinerário em que flanava/flana Paulo Leminski desvela a cidade que despertava sentimentos tão contraditórios no poeta, como indicado no poema Alguma coisa em mim, originalmente publicado no jornal Correio de Notícias e incluído no livro de Garcia Lopes. Não mudou para o mundo, Curitiba.
Livro: Roteiro Literário — Paulo Leminski
Autor: Rodrigo Garcia Lopes
Editora: Selo Biblioteca Paraná
Páginas: 180
Preço: R$ 20