O que começou como uma incógnita – a realização do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental de Goiás (Fica) em 2019 – caminha para um desfecho drástico e triste, embora não totalmente inesperado. O secretário estadual de Cultura, Edival Lourenço, que chegou a anunciar que o festival seria realizado no segundo semestre, “mais barato e melhor”, como declarou ao jornal O Popular, depois disso calou-se sobre o tema. Quando a imprensa noticiou que parceiros e cineastas premiados na última edição ainda não haviam sido pagos, as expectativas quanto ao 21º Fica ainda neste ano tornaram-se ainda mais pessimistas. Nesta semana, a assessoria de imprensa da Secult limitou-se a dizer que uma resposta definitiva sobre a questão seria dada em breve. De qualquer forma, o tempo hábil para a realização de um festival internacional ainda este ano é mínimo.
Um suspense prolongado praticamente por duas décadas, a continuidade do Fica provocava dúvidas a cada novo ano. A dependência absoluta dos cofres e da vontade do governo estadual, mais precisamente do governador Marconi Perillo, que criou o festival em seus primeiros meses de governo, num longínquo 1998, tornava natural o questionamento: até quando ele vai persistir com o evento ou, quando Marconi deixasse de ser governador, o festival iria sobreviver? Seus mandatos consecutivos asseguraram a continuidade do evento até o ano passado.
Nem todos se lembram, mas, no final dos anos 90, o segmento cultural goiano como um todo, e não só o cinema, agarrou o Fica como uma tábua de salvação e tudo o que ele podia proporcionar num Estado tão carente de incentivos culturais como o nosso até então. Muitos fizeram até vistas grossas para o fato de que, num festival de cinema, os shows com medalhões da música popular ganhassem mais destaque que os filmes, afinal, essas apresentações contribuíram para que o evento ficasse conhecido pela população e nada como multidões e apoio popular para ajudar a manter um festival patrocinado pelo governo.
A cada edição, erros e acertos ajudaram na formação da identidade do festival, que manteve a estrutura da mostra competitiva internacional de cinema ambiental – bastante respeitada, aliás –, com mostras não temáticas de filmes nacionais, oficinas e palestras com renomados profissionais da área. A Mostra Associação Brasileira de Documentaristas (ABD-GO), não temática , exclusiva para filmes goianos, nasceu e fortaleceu-se dentro da programação oficial e com pequena premiação em dinheiro (com recursos do Fica).
Com o advento do Fica, uma produção incipiente começou a se formar , estimulada pela premiações do próprio festival, além de suas oficinas. Além da mostra da ABD, editais estaduais para a produção de filmes de curta-metragem, ainda que modestos, surgiram fora do calendário do Fica.
Foi nesse cenário que nasceram o Goiânia Mostra Curtas, iniciativa privada e independente que já está em seu 19º ano, o extinto Festcine Goiânia, realizado pela prefeitura da capital por sete edições, entre outros festivais e mostras importantes de cinema e vídeo no Estado, como o Perro Loco, MIAU, Fronteira e Piri-Doc. Paralelamente, vieram as especializações em cinema, até a implantação do curso de Audiovisual da UEG. Leis de incentivo à cultura estaduais e municipais também contribuíram para essa discreta revolução no cinema em Goiás, em comparação ao cenário anterior, de quase inexistente produção audiovisual.
Graças a todos esses elementos, ao longo dos anos, o amadorismo deixou de ser regra em Goiás e passoa a conviver com uma produção mais técnica, com a formação de profissionais na área. Até que, finalmente, curtas e longas goianos começaram a se destacar em festivais Brasil afora.
Recursos
Os orçamentos do Fica oscilaram ao longo do tempo e, na última edição, mais enxuta, o custo foi de R$ 3 milhões. Já houve, como agora, alguns atrasos no pagamento de fornecedores, pessoal e até premiados em algumas edições do festival, que era administrado por uma mesma oscip há várias edições.
A pré-produção de um festival de cinema, ainda mais com esse porte, demanda tempo e organização e bem poderia ter sido tratada já na equipe de transição de um governo para outro – assim como suas dívidas, o que garantiria sua realização em 2019 sem maiores preocupações. Os recursos para tal, ainda que com um orçamento menor do que o do ano anterior, não chegam a ser uma enormidade – a questão é que, quando se alega falta de dinheiro, é praxe, infelizmente não só em Goiás, cortar logo nos gastos com a cultura, por menores que eles sejam, como se a cultura não gerasse renda direta e indiretamente, além de seu valor imaterial.
Era gritante que o atrelamento do Fica ao chefe do Executivo que o criou poderia, desde o princípio, comprometer seu prosseguimento em outro cenário político. No entanto, a própria duração do festival por duas décadas contribuiu para a construção de um legado para o audiovisual e a vida cultural goiana em geral, ainda que de maneira bem mais tímida do que gostaríamos.
Esse legado não pertence a esse ou aquele político, nem a grupos ligados a um partido x ou y, mas a todos nós goianos, que corremos o risco de perder o mais importante evento cultural do Estado. Se o modelo atual do festival exige revisões, que sejam feitas. Seria bem-vinda uma proposta centrada não apenas em eventos, mas numa verdadeira política pública cultural para Goiás.