Autor de mais de 40 livros, entre romances, contos, poesias e teatro, e um dos mais importantes nomes da literatura em Goiás, Miguel Jorge lutou durante 13 anos para encenar a ópera A Décima Quarta Estação. Ganhou muito não de possíveis apoiadores, recebeu muitas promessas. A persistência de tantos anos valeu todo seu esforço, e finalmente ele tem a satisfação de ver a sua primeira ópera no palco, com composições assinadas por Estércio Marquez, participação do Coro e Orquestra Sinfônicos de Goiânia, sob a regência do maestro Eliseu Ferreira e grande elenco comandado pelo diretor Jonatas Tavares.
A estreia está marcada para esta terça-feira (1º/10), às 20 horas, no Teatro Goiânia, abrindo a programação do aniversário da capital. O espetáculo terá mais uma sessão na quarta-feira, no mesmo horário.
O libreto de A Décima Quarta Estação está pronto há 15 anos. Escrevê-lo foi mais fácil do que levá-lo ao palco. “O desafio é enorme. A produção exigiu esforço de todos os envolvidos. Sinto-me vitorioso quando vejo tudo pronto estrear”, festeja o autor. Na concretização do seu sonho, Miguel Jorge conta com o patrocínio da Lei Goyazes de Incentivo à Cultura, apoio das Secretarias de Estado e Municipal de Cultura e da Prefeitura de Goiânia. “Recebemos todo apoio possível. O empenho de todos tem sido maravilhoso”, comemora Miguel, que supervisiona de perto todo o desenrolar da produção, desde a captação dos recursos, passando pelos ensaios diários iniciados em agosto na sede da Orquestra Sinfônica, no Ed. Parthenon Center (Centro), até a estreia.
Para contar o triste fim do farmacêutico Antero, 96 pessoas, entre componentes da orquestra, coro, cantores e bailarinos estarão no palco, sob a direção do maestro Eliseu Ferreira e Jonathas Tavares. Há dois meses o grupo ensaia todos os dias. A produção consumiu, segundo cálculos da produtora Laila Santoro, mais de R$ 200 mil para duas apresentações, com ingressos a preços populares. Outras sessões poderão vir, assegura a produtora.
Miguel Jorge explica que A Décima Quarta Estação não é uma ópera em estilo tradicional, com linguagem rebuscada e difícil. A estrutura é moderna, o texto acessível e os figurinos atuais. A música de Estércio Marquez é perfeitamente compreensível, segundo o autor. Primeiro conto do livro Avarmas, publicado pela editora Ática em 1978, o texto foi escrito em formato de monólogo interior, isto é, o personagem conversa em pensamento consigo mesmo. A obra foi premiada no III Concurso Nacional de Contos, da Secretaria de Estado da Cultura de Goiás.
Os fatos verídicos ocorreram em 1930, em Catalão. Miguel soube da história ao visitar a cidade nos anos 1970, em companhia do também escritor Aldair Ayres. De volta a Goiânia escreveu o texto, posteriormente transformado em ópera por sugestão da professora e então presidente do Conselho Estadual de Cultura Annunziata Spencieri de Oliveira. A Décima Quarta Estação narra a tragédia de Antero, um farmacêutico muito respeitado e querido da cidade. Ele distribuía medicamento gratuito às pessoas carentes, o que acarretou a inveja do poderoso coronel Rufino.
Com medo de perder seu poder político junto ao povo, o coronel, que também cobiçava a noiva de Antero, Letícia, forjou uma armadilha para prendê-lo, acusando-o de assassinato. Antero é condenado ao açoite, percorrendo 14 estações, como Jesus Cristo a caminho do Calvário. Na 14ª estação, ele morre. Desde então, sua figura passou a ser cultuada pelo povo da cidade, que no local de sua morte construiu uma capela em sua homenagem. Antero foi elevado ao posto de mártir. Sua figura ainda hoje é cultuada como santo milagroso.
Miguel Jorge condensou o texto do martírio de Antero para a montagem da ópera, sem contudo comprometer o resultado. Cantores profissionais vivem os personagens principais. O tenor Hélenes Lopes interpreta Antero e Jadson Álvares, o coronel Rufino. A mãe de Antero, Maria Pia, é vivida por Sara Veras e Letícia, sua namorada, por Patrícia Mello. O Coro representa o povo da cidade que acompanha o martírio de Antero. A música de Estércio Marquez executada pela Orquestra Sinfônica de Goiânia acompanha todo o desenrolar da narrativa.
Marco operístico
Diretor experiente, Jonatas Tavares dirige sua quarta ópera só este ano. Pelo ineditismo do espetáculo, inteiramente goiano, o diretor sente a responsabilidade ser bem maior. “Estamos fazendo o espetáculo o mais próximo possível do universo operístico contemporâneo. O texto é maravilhoso. É uma preciosidade. Por ser inteiramente goiano, tem uma característica diferente. Só quem é goiano pode entender o que está acontecendo”, enaltece o diretor, que conta com a assistência de Alex Amaral.
Jonatas acredita que A Décima Quarta Estação é um marco na história operística de Goiânia, que é considerado um dos polos brasileiros da ópera como Uberlândia, Brasília, Belém. “Texto e música são de uma beleza impressionante. Estércio Marquez conseguiu traduzir o libreto em música maravilhosamente”, elogia o diretor, acrescentando não ter dúvida de que A Décima Quarta Estação será um dos melhores espetáculos já feitos em Goiás.
Produção
A produção contou com apoio de todos os lados. Para compor o figurino do Coro, assinado por Cláudio Livas, teve a ideia de pedir, via redes sociais, doação de roupas brancas. “Foi uma loucura. Meu escritório ficou cheio de roupa de todos os tamanhos”, conta a produtora Laila Santoro. As roupas dos soldados que prendem e açoitam Antero foram emprestadas pelo grupo de Quadrilha Junina Chapéu do Vovô.
Alguns adereços cênicos pertencem ao Grupo de Teatro Bandeirantes, de Eurípedes de Oliveira. Outros, ao grupo de teatro de Edson Fernandes. As armas usadas pelos soldados foram cedidas pelo cenógrafo Martins Muniz. Os ensaios do corpo de baile, conduzidos pela coreógrafa Luciana Caetano, foram realizados em uma sala climatizada na Escola Estadual Dom Abel, no Setor Universitário, que cedeu o espaço.
Miguel Jorge sente-se recompensado pelos 13 anos que bateu de porta em porta. “Tem sido uma loucura muito prazerosa. Uma experiência inesquecível”, ressalta. Escritor com experiência também no teatro e no cinema, Miguel Jorge estreia em um gênero considerado sofisticado e pouco popular. Mas que integra várias outras obras de arte e oferece a oportunidade para músicos, atores e bailarinos trabalharem em conjunto . “ A ópera possibilita debater todas as linguagens artísticas em uma análise positiva em termos culturais”, observa o autor, que estreou na literatura em 1973, com o livro de contos Antes do Túnel. Recentemente colocou o ponto final no romance Em Busca do Coração no Sábado à Noite, que será lançado em 2020.
Na foto, no alto, Miguel Jorge e Estércio Marquez (ao centro), com cantores e demais integrantes da produção
Serviço
Ópera: A Décima Quarta Estação
Libreto: Miguel Jorge
Música: Estércio Marquez
Direção cênica: Jonatas Tavares
Regência: Maestro Eliseu Ferreira
Elenco: Orquestra e Coro Sinfônicos de Goiânia, Hélenes Lopes, Sara Veras, Patrícia Mello, Jadson Álvares, Michel Silveira, Félix Bauer e grande elenco.
Dias: 1º e 2 de outubro (terça e quarta)
Horário: 20 horas
Local: Teatro Goiânia (Av. Tocantins, esq. c/ Rua 23, Centro. Telefone: 3201-4686)
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)