De Paris – Há projetos cuja ambição desenfreada conduz ao fracasso. Tal é o caso da exposição Vermelho, Arte e Utopia no País dos Sovietes, realizada no Grand Palais, em Paris, e encerrada recentemente.
Sob o pretexto de que abordaria o “país dos sovietes”, esse panorama não fez justiça à Arte e sustentou-se, paradoxalmente, de modo anacrônico, na “teoria do reflexo”. Em consequência, tratou-se de uma verdadeira pulverização de obras muito diversas entre si e que abarcaram todos os domínios (pintura, cinema, escultura, teatro, design etc.), conforme proposto pela curadoria. Além disso, não se tratou, em nenhuma hipótese, de um conjunto consistente, permitindo ao espectador ter uma ideia da obra dos artistas mais eminentes, mesmo que eles sejam tão díspares, como é o caso de Malevitch, Rodtchenko, Deïneka…
Essa ideia da arte como “reflexo” pode ser constatada na leitura do catálogo da exposição, segundo a qual o projeto de Tatline “é a ilustração do comunismo na conquista do Paraíso, em vez de uma aplicação de progressos tecnológicos” (p. 21). E por que nenhuma coisa nem outra? Como se Tatline e outros artistas da época, na Rússia, fossem desligados do resto do mundo. Bem entendido, eles conheciam a arte que se praticava na França, na Itália e na Alemanha, e o diálogo que travavam tinha repercussões manifestas sobre os seus procedimentos artísticos, que eram bem mais visíveis que uma eventual “ilustração do comunismo”.
De igual modo, lê-se no mesmo catálogo que o plano de urbanismo de Moscou, realizado por Semenov, “corresponde de maneira perfeita à estrutura do modelo utópico de sociedade, sendo colocado em prática sob a autoridade de Stálin”. Quem poderia acreditar em tais disparates? Para começar, Stálin nunca pensou um “modelo utópico de sociedade”. Tal modelo nunca existiu, mas somente uma ditadura sangrenta: os fatos falam por si mesmos. Quanto a Semenov, ele se inspirou em modelos de urbanismo, assim como o grande arquiteto Melnikov, que realizou o pavilhão russo na Exposição Universal de Paris, em 1937, onde reencontrou um arquiteto da envergadura de Mallet-Stevens e por ele foi influenciado (p. 106) e não pelo pensamento de Stálin.
Além do mais, uma linha ideológica pareceu ditar a lógica da exposição. Seria necessário compreender que houve entre Lênin e Stálin um vínculo constante, não uma “grande reviravolta”, da parte de Stálin. Ainda assim, em janeiro de 1936 começou o ataque contra Chostakovitch, enquanto a exposição, em dezembro de 1939, sobre a imagem de Stálin nas artes gráficas, foi a primeira do gênero com orientação estética sem nenhuma relação com as artes gráficas dos anos 1920.
Não obstante, grandes nomes da arte dos anos 1920, como Tretiakov ou Meyerhold, são condenados e executados sob o regime de Stálin. Ora, ainda aparece escrito no catálogo: “para Lênin, a Nova Política Econômica (NEP) devia durar 50 anos e permitir a transição rumo ao socialismo. Stálin, que se diz o fiel discípulo de Lênin, todavia, reduz o prazo para sete anos ” (p. 215). Proposição particularmente infundada, visto que a “Grande Reviravolta”, proclamada por Stálin na revista Pravda, em sua edição de 29 de novembro de 1929, teve como primeiro objetivo a eliminação da NEP, em oposição a Lênin, para implementar em seguida a catástrofe política da coletivização, que vai provocar depois um surto criminoso de escassez e fome.
Na verdade, tudo foi enviesado na exposição, porque tudo foi abusivamente politizado, sob o argumento de que a Rússia dos sovietes não é a Rússia e que gerou uma “arte dos sovietes”. Ora, não é justificável dizer que Chagall ou Kandinsky foram “aliados objetivos de Lênin, pois eles revolucionaram o ensino artístico nas escolas financiadas pelo Estado” (p. 55).
Se não persiste nenhuma dúvida de que esses artistas participaram, às vezes com entusiasmo, da elaboração de uma sociedade livre, finalmente, da constante iniquidade social do czarismo, se é evidente que eles se envolveram com uma arte de oposição àquela cujo academicismo mortal triunfava sob o Czar (como o de L. Tuxen), eles já eram, muito antes, artistas originais bem antes dos sovietes. Sua arte não nasceu com eles nem para eles. Em acréscimo, Lênin não impulsionou uma linha estética que vai da pintura monocromática de Rodtchenco “Vermelho” ao mundo sonhado de Chagall (aliás, Rodchenco envelheceu mal, tecnicamente falando).
O que é certo, em contrapartida, é o fato de que, com Lounartchavski, Comissário do Povo para Educação até 1929, a margem de liberdade, para a criação artística, era evidente. Tanto que a ópera Wozzeck, de Alban Berg, levada ao palco sob a direção de Erich Kleiber, em 1925, era apresentada em Leningrado desde 1927. No entanto, Paris só a conhecerá em 1952, quando a arte da moda que então triunfava na cidade, sob o pretexto de “gosto francês”, aclama a obra-prima de Berg. Posteriormente e sob o jugo de Stálin, a censura é instituída não apenas nas artes, mas também nas ciências, com a condenação do geneticista Vavilov e a veneração ao tosco Lyssenko.
De modo fragrante, a escolha do pintor Guerassimov por Stálin, como artista oficial e seu principal autorretratista, coloca um fim à discussão, com uma ironia involuntária. A tela desse pintor, com o título de Stálin diante do Ataúde de Jdanov, que fez parte da exposição, é a prova, sem ambiguidade, de que o gosto do ignaro Stálin vai ao encontro do academicismo burguês de modo mais estupidamente ilustrativo. Reconhece-se nesse quadro o estilo da arte pompier que triunfou no século 19 e que se decompôs, com Guerassimov, por meio de uma paleta tanto ostentatória quanto aplicada. Quanta nulidade, comparada aos artistas dos anos 1920, a maior parte deles já em atividade bem antes! De um momento de liberdade passa-se ao servilismo com a arte oficial correspondente e que não é um “realismo” socialista ou burguês. Mas uma prática de ilustrador, oscilando entre a pieguice e a ênfase.
Se a exposição Vermelho, Arte e Utopia no País dos Sovietes pretendia mostrar, para cada artista, começando por Deïneka, uma dezena de obras realizadas durante a sua vida, isso poderia resultar num favor à arte e aos artistas e também oferecer uma imagem viva da criação na Rússia de então. E, de outro modo, responder como ela conseguiu sobreviver com Stálin. Ter pretendido politizar a questão (como jamais se viu para as exposições sobre arte, seja na França, seja na Itália) nos provoca desconfiança. É preciso esperar que uma exposição sobre a arte na Rússia seja capaz de prestar homenagem aos criadores que viveram um período tão extraordinário e extraordinariamente dramático, e não reduzi-los a “reflexo” do tempo. Muitos deles souberam vencer a adversidade e, apesar de tudo, criar.
[Tradução de Luís Araujo Pereira]
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