Quando o escritor inglês D.H. Lawrence (1885-1930) publicou O Amante de Lady Chatterley, em 1928, os críticos literários de imediato rotularam a obra de “imoral” e “pornográfica”. A sociedade inglesa já não vivia mais sob o rígido código da moral vitoriana e experimentava o movimento de liberalização dos costumes que marcou a década de 1920 em toda a Europa, porém, a ousadia sem precedentes que o autor demonstrava ao discorrer abertamente sobre sexo, usando até mesmo termos obscenos e chulos, causou escândalo entre as sensibilidades mais puritanas.
Apesar do seu conteúdo altamente sensual, o livro não pode ser classificado, no entanto, apenas como um romance “erótico”, uma espécie de precedente mais sofisticado da série Cinquenta Tons de Cinza ou de outros títulos do gênero. Por meio da história do amor proibido entre uma aristocrata inglesa e seu humilde empregado, D.H. Lawrence também propõe uma crítica arrasadora da moderna sociedade industrial.
Na visão de Lawrence, a sociedade moderna caracteriza-se, acima de tudo, pela negação do corpo. “E no momento em que tem consciência de seu corpo, você está desgraçado. Portanto, se a civilização presta para alguma coisa, ela tem de ajudar a esquecer nosso corpo, assim o tempo passa alegremente, sem você saber”, afirma um dos personagens do romance. Os operários embrutecidos pelo trabalho nas minas de carvão, os ricos industriais na sua corrida frenética por mais dinheiro e os intelectuais pernósticos são, para ele, a antítese da sexualidade.
Em contrapartida, o sexo é visto como uma “força vital” que conduz o homem de volta à natureza e o reconcilia com seu corpo. Esse homem reconciliado consigo mesmo e verdadeiramente viril é o oposto do homem civilizado, na compreensão de Lawrence. No romance, tal exemplo de virilidade é encarnado por Mellors, o empregado de Lady Chatterley que torna-se seu amante: ex-combatente de guerra, ele prefere refugiar-se no bosque que circunda a propriedade dos Chatterley, vivendo quase como um ermitão, a ter de enfrentar a realidade brutal e decadente da vizinha Terveshall, uma região desfigurada pela indústria do carvão.
Se Mellors é o arquétipo do homem viril, Clifford, o marido de Lady Chatterley, é uma caricatura do homem moderno. Para compensar a sua impotência sexual, decorrente de uma paralisia que lhe retirou os movimentos dos membros inferiores, Clifford busca compensação primeiramente na literatura e, depois, no mundo dos negócios. Como escritor, alcança algum sucesso publicando textos cujo refinamento da escrita mal esconde a ausência de originalidade e vigor criativo. Como investidor, não demonstra o menor escrúpulo em aumentar o seu já formidável patrimônio por meio da exploração dos operários das minas. Em todas as atitudes de Clifford, vê-se uma tentativa de substituir o prazer sexual pelos afagos da “deusa-cadela” – é assim que Lawrence nomeia a “fama”, em outras palavras, o sucesso, financeiro ou artístico, que assegura a quem o alcança a lisonja e a subserviência dos demais.
Em certos aspectos, o romance de D.H. Lawrence demonstra uma visão de mundo que se compara à de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Assim como o escritor inglês, o filósofo genebrino não alimentava muito entusiasmo pela civilização, destoando da corrente iluminista representada por Diderot e D’Alembert. Em Rousseau, a sociedade estruturada com base na propriedade privada surge como fonte de corrupção dos indivíduos, os quais, se deixados na condição em que se encontravam no estado de natureza, permaneceriam “naturalmente bons”. Todavia, enquanto para Rousseau, a redenção do homem moderno está na edificação de uma comunidade política verdadeiramente democrática, mais justa e igualitária, para Lawrence, a salvação humana encontra-se na integração com a natureza – e o sexo é a via para recuperar esse elo vital. “É necessária a sensualidade pura mesmo para arejar e ativar a mente”, proclama o autor no romance.
Filho de um operário das minas analfabeto e rude, Lawrence teve uma infância pobre e pôde sentir na pele a exploração sobre a classe trabalhadora. Contudo, ao longo de O Amante de Lady Chatterley, percebe-se que o autor não deposita muitas esperanças no movimento operário como um contraponto à ordem burguesa vigente. Ao contrário, a revolta para ele deve ser individual, não coletiva. “Mas é uma vergonha o que vem acontecendo com as pessoas nestes últimos cem anos: homens transformados em meros insetos-operários, privados de sua virilidade e da vida verdadeira. Eu varreria todas essas máquinas da face da Terra e poria um ponto final a toda a era industrial como sendo um tremendo erro. Mas já que não posso fazer isso, e ninguém pode, é melhor eu viver minha própria vida e manter minha paz”, afirma o herói do livro, Mellors.
Da mesma forma que não é um entusiasta da causa operária, o autor tampouco é partidário do movimento feminista. Em seus romances, as personagens femininas centrais costumam ser figuras fortes e decididas – a exemplo da mencionada Lady Chatterley, das professoras Úrsula e Grudun, de Mulheres Apaixonadas, e de March e Banford (que vivem um relacionamento homossexual), de Apenas uma Mulher. Só que isso não faz de D. H. Lawrence um apologista da emancipação feminina, em que pese a sua celebração do prazer sexual para homens e mulheres. Como bem observa Simone de Beauvoir, no primeiro volume de O Segundo Sexo, essa exaltação da sexualidade humana, na obra do escritor inglês, passa por uma espécie de culto ao falo. “[Lawrence] quase nunca pinta um homem perturbado pela mulher, mas em inúmeras vezes descreve a mulher secretamente transtornada pelo apelo vivo, sutil, insinuante do homem; suas heroínas são belas e sadias mas não capitosas, ao passo que seus heróis são faunos inquietantes. São os animais machos que encarnam o poderoso e perturbador mistério da vida”, escreve Beauvoir a respeito da obra lawrenciana.
Em defesa do autor, contudo, deve-se reconhecer que D. H. Lawrence jamais descreve o ato sexual como algo banal. O sexo é um ritual sagrado, uma forma de se harmonizar à ordem do cosmos – embora esse êxtase cósmico, na visão dele, sempre passe pela união heterossexual e monogâmica, apesar das relações homossexuais que possam surgir nos seus livros, como a do casal lésbico de Apenas uma Mulher. Tratar o sexo de outra maneira, para o escritor inglês, é corrompê-lo, despi-lo, por assim dizer, de sua “pureza”.
Sob esse ponto de vista , quem diria!, D. H. Lawrence, esse autor incompreendido dos anos 1920, mal disfarça seu conservadorismo.