Não deveria ser O Ano em que Vivemos em Perigo? Fiquei na dúvida. Bom, deixa pra lá. Então, esse é o título de um filme de Peter Weir, cheio de aventuras num contexto político, o que não tem nada a ver, claro, com nada do que acontece por aqui. E, sério, que mulher nunca desejou ser a Sigourney Weaver, com seu 1,82m e sua postura sempre determinada e racional?
Aliás, esclareço já que estou cada vez mais apolítica, nada apocalíptica e, em alguns aspectos, tenho deslizado vertiginosamente rumo a uma chochice acachapante, a não ser por uns insights, uns alumbramentos pontuais, umas ideias ocasionais. Pronto, é só isso mesmo.
Está claro também que vivemos em perigo, sem direção, sem saber para onde ir, ou melhor, para onde não ir, espantados, indagadores: “E nós, aonde vamos?”. No que me lembrei agora que esse era o título de uma novela da extinta Rede Tupi, com a inesquecível e aristocrática Márcia de Windsor, que podia até mesmo ter o nariz empinado, mas jamais poderia levantar com altivez o queixo que, como ela mesma assumia, era inexistente, falha devidamente sanada numa cirurgia plástica.
E nessa de não poder ir, ficamos onde estamos mesmo, como naquela brincadeira de estátua, quando alguém gritava e a gente parava na hora, esperando um outro comando, que nem me lembro mais qual era. É, a gente até se mexe um pouquinho, mas de um jeito bem limitado, meio contemplativo, sem largueza de gestos.
E, se os gestos são contidos, os ouvidos e os olhos estão abertos a todas as possibilidades. Escutamos muito e vemos mais ainda, para melhor ainda pensar. E, assim, tenho pensado mais sobre o que escuto, como a definição pela falta, sobre a qual eu nunca havia refletido antes. Comprando frutas embaixo da gameleira, para não sair do carro, o homem da laranja me perguntou: O Mãozinha está na sua casa? (É, muita gente pensa que a casa da minha mãe é a minha casa) / Quem?/ O Mãozinha, aquele que não tem uma mão, eu acho difícil o nome dele, então perguntei: você importa se eu te chamar de Mãozinha?/ O nome dele é Valdo, é fácil. É, está, ele está fazendo o jardim.
Mas, enfim, vou anotando para pensar depois. Assim como a placa: SOU VENEZUELANO SURDO (o que seria mais difícil: a nacionalidade ou a condição física?). Outra placa, numa casa abandonada: FILHO (A) DE DEUS, NÃO JOGUE LIXO (será que a diferença entre os sexos implica maior propensão ao vandalismo?). E sempre há alguém com revelações, naquela vibe “trago verdades”, então, num certo ponto, fico surda também e passo só a olhar.
E, nessa de olhar, ou melhor, de ler, depois de chocar com a Silvina Ocampo e sua fúria, me limitei a um monte de assuntos variados e cheguei no reconfortante conceito da decoração confortável. E, quem me conhece pouquinho, já sabe que adoro casa, ficar em casa, pensar sobre casa, falar de casa. Não por acaso, até o Michel Teló já me seduziu com sua Humilde Residência.
Mas, então, voltando à decoração confortável, ela não tem muito a ver com a questão do conforto físico. Claro que a nossa casa deve ser confortável, mas a questão é que até quando ela não é muito confortável, ainda assim achamos perfeitamente agradável só por se tratar da nossa casa. Chegar em casa é sempre uma das melhores coisas do mundo e, se ela tem um conforto efetivo, um conforto relativo, aí é show de bola mesmo.
Agora, quando se fala na decoração confortável, o conceito de conforto é expandido, abrangendo vivências, significados, símbolos, memórias. Assim, mesmo que a decoração não esteja adequada esteticamente, que alguns itens não estejam combinando ou descombinando bem de forma harmoniosa e aparentemente displicente, isso não tem importância alguma.
Um exemplo? Pendurar na sala de estar (é, o famoso living room) um bom tanto de certificados, mais ou menos importantes, o seu suado diploma e até uma mensagem do Instagram, fazendo um elogio rasgadíssimo, pode parecer de mau gosto, mas pode ser altamente confortável, servindo até mesmo para mandar para o espaço sideral a terrível síndrome do impostor, quando, além de todos os problemas potencializados pela pandemia, você pensa: Putz, nunca fiz nada que preste nessa vida! Sou uma fraude!
Nada disso: abra as gavetas e procure algo que te dê conforto emocional. Passo seguinte: exponha esse item, para lembrar de quem você é e de tudo o que você já fez na vida. Dica indispensável: coloque em um lugar de fácil acesso aos olhos, para que você possa ver sempre, várias vezes ao dia.
Gavetas? É, nem a pandemia me fez arrumar as gavetas, e acho mesmo que o grande conforto de um quarto de hotel é o fato de encontrarmos as gavetas vazias e de elas nunca ficarem confusas e atravancadas, a não ser que passemos a morar lá. Mas, remexendo nas gavetas, dei de cara com o certificado de um curso da genial e cosmopolita Sylvia Demetresco, visual merchandising de primeiríssima linha, e até me ocorreu emoldurá-lo e pendurá-lo na sala, ou melhor, no living room (embora eu preferisse mesmo emoldurar os sapatos que ela calçava na ocasião, pois nunca vi antes sapatos tão lúdicos e originais).
É, não deu ainda. Qualquer providência que se deseje tomar, empaca em saídas, riscos, vírus. Por enquanto, fico com a manta de tear faltando várias borlas, que eu preguei caprichosamente, pois Black, o cachorro, além de se esparramar sobre ela, acha grande prazer em arrancá-las e mascá-las até que virem uma bolota compacta (será que ele também conhece a decoração confortável?). E também com a foto da parede, que muita gente já confundiu com arte abstrata. Ei, não dá para ver que é a Laura, ainda bebê, com uma touca tricolor, no meio de um monte de cobertores e edredons?!