[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
A VOZ
não o verso que fala
mas a voz que o diz
não o metro medido
mas o som que o ativa
serena selvagem
sem rumo sem pouso
veloz vai a voz
em batismo de fogo
do umbigo à boca
investida a pelo
viajando ela vai
voz a palo seco
em tubos transversos
a plenos pulmões
ela agora se abisma
arco-íris de sons
em salões empoados
ou em praças vazias
quando uma voz ecoa
toda noite se dia
se no corpo não cabe
e na alma não pia
entre o sol e a sombra
toda voz se esguia
Letra elétrika (1994)
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RIO
o rio é basicamente o mar
o mar e o amor
amor e mar
atlanticamente amar
o rio é basicamente o riso
humor amor
amor humor
para rolar de rir
água na boca é a guanabara
e o arpoador é joia rara
pelas curvas desse rio
ninguém vai morrer de frio
porque é só se espreguiçar
no sol que sai detrás do mar
A vida é curta pra ser pequena (2002)
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[3]
POEMA PARA SER TRANSFIGURADO
quem somos
o que queremos
logo logo saberemos
por enquanto
sabemos
que um gesto
uma palavra
podem transformar o mundo
qual deles
qual delas
saberemos já já
essa a missão do artista:
experimentar
por isso somos precisos
por dar nossas vidas
pelo que – ainda – não é
pelo que – quem sabe – será
o que somos
o que queremos
saberemos juntos
já já
Belvedere (2007)
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O POEMA DIGITAL
primeiro o poema nasce
como esse está nascendo agora.
não.
primeiro o poeta nasce.
e com ela a linguagem.
então, o poema nasce.
aqui nessa tela agora.
o poeta o articula
sai um barulho
ele harmoniza
abre uma janela:
entra um colibri
aí o músico, ai,
refaz o barulho
enfia uns bemóis
então vem a musa
num clic faz um clip.
onde tudo se funde
o ritmo no barulho
a cor na imagem
primeiro nasce o poema.
Murundum (2012)
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ALÔ POETA (12)
hoje é sábado. você continua a escrever.
isso é bom. é favorável. é formidável.
você já ouviu o que você está escrevendo?
então pausa a escrita e fala o escrito.
cria dinâmicas. ritmos. ruídos. silêncios.
decora seus textos. repita-os à náusea.
dá pra limar uma sílaba ali uma palavra lá.
o poema, poeta, merece todo o cuidado, o vigor
na hora de fazê-lo circular (livro é apenas partitura).
em público, potência no corpo, segurança na voz.
o desejo de fazer sua reza ser nunca menos que a música.
nunca menos que a música. nunca menos que a música.
fazei valer seu amor, seu som e sua fúria, carajo.
mas antes de tudo, escreve bem.
Alô poeta (2016)
Perfil
Chacal, pseudônimo de Ricardo de Carvalho Duarte, nasceu no Rio de Janeiro no dia 24 de maio de 1951. É poeta, cronista, letrista e dramaturgo. Estudou Comunicação Social na UFRJ. Pertenceu à geração que utilizava o mimeógrafo para imprimir e divulgar os seus poemas. Junto com Francisco Alvim e Cacaso, participou em 1975 do grupo Vida de Artista. Logo em seguida, com Charles Peixoto, Bernardo Vilhena e Ronaldo Bastos, fundou o coletivo Nuvem Cigana, grupo que teve larga atuação na vida carioca no final da década de 1970. Ao lado de sua atividade poética, colabora com grupos de teatro escrevendo Aquela coisa toda e Recordações do futuro. Além de crônicas e textos para serem encenados, escreveu os seguintes livros de poemas: Muito prazer, Ricardo (1971), Preço da passagem (1972), América (1975), Quampérius (1977), Nariz aniz (1979), Olhos vermelhos (1979), Boca roxa (1979), Drops de abril (1983), Comício de tudo (1986), Letra elétrika (1994), A vida é curta pra ser pequena (2002), Belvedere (2007), Murundum (2012), Seu Madruga e eu (2015) e Alô poeta (2016). A sua obra poética está reunida no livro Tudo (e mais um pouco), publicada pela Editora34 em 2016. Como letrista, tem parcerias com Jards Macalé, Lulu Santos, Moraes Moreira, Rogério Duarte, banda Blitz, entre outros.
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