[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
roxo cor
mexe comigo vem
que seja na botina na sola
ou no chapéu se tiver
o que me oferecer
em jeitos de me fazer espanto
e espasmos tanto
na superfície tantos e no
subterrâneo caem cavernas
eu não
quero ficar no lugar de mim eu
não
quero nada disso eu
quero mas não que venha
o laço e me leve que eu repita
farsa e tragédia e nojo
eu não entendo
o que me dá
eu não quero entender o que me atropelou
eu não quero entender o que me deu
o que você deu em mim
com que dado que fico
quantas faces
de material qual
mas de certo roxo só
pode ser sua cor e pra marcar entende-se
que precisa doe
dezessete (2020)
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[2]
amor com espuma de ódio
amor com espuma de ódio
pragas a cada bolha que chega na
superfície e ali
onde senhor céu
deitou leite
brota fina flor demente e é bem como
e não tão como
flor que se usa pra pancada
é pétala é espinho é cheiro
e o que quer
se dite palavra
desencontradas nas reentrâncias não há como
amar sem bater
o carro não há como
amar sem bater a cara
no tapa que sempre
virá não há como
amar sem sentir
a beleza
do abandono da fome do medo não
há como
amar sem chocar-se nas escarpas
amar como escapatória
amar indo vindo em onda
amar ante a morte o inevitável o inescapável
amar fiapo de fagulha
fina
que finda
dezessete (2020)
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[3]
eu me planto e me semeio
jabuticabeira sem eira nem beira
concede a nós beleza de tantos
ramos espalhando e formando
bela copa
desejo é um órgão pulsátil quase
posso tateá-lo e perceber suas
enervações várias e a pele que
o recobre
eu me esparramo no chão como a
lua que se esparrama no céu
toco-me cútis como se
tocasse seu cotovelo e caio
em mim e apenas estou
me tocando
se em outras vidas toquei
boiadas por quais pastos eu
caminhei bem não sei eu queria
ver o mar
eu me derreto na praia como o
sol que se derrete na toda t/Terra
(eu me derreto no araguaia)
minha pele é meu território
e meus terrenos vão além do rio
e me veio uma em desvario e mergulhei
estou molhada
e em mim também donas e donos em
variedade ocupam os espaços e
concedem ocasionais permissões quem
sabe quem
eu me ofereço oferta mas não como
a cruz que marca testa de tantas e tantos
quando me dando recebo e movimento
se faz agradeço e sigo as gentes podem
viver melhor gestando esse ritmo esse rio
esse rito
aqui celebrantes do fluxo que se faz
em mim é uma palavra furacão é uma
palavra maremoto é uma palavra vulcão
é uma lavra
eu me planto e me semeio mas não como
deixo que de mim
façam de mim
banquete no fim
dezessete (2020)
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[4]
fantasma
vou
de um canto a outro
por ruas e caminhos
vejo você
em tantas pessoas eu não
me lembro
qual foi a primeira vez que te vi
eu não sei seu nome
você me persegue tem um
fantasma
no fundo de meus olhos
eu faço
você me perseguir e em cada
lado
lá está você e você pede
e eu te dou um cigarro
e você não estende a mão
quantos
cigarros caídos no chão desespero
te leva
lava devorando os caminhos o asfalto
te ver é um susto
eu não me acostumei ainda que
aconteça
o tempo todo
dezessete (2020)
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[5]
anti
engolir o seco
à medida que se sobe e isso
é sobre
negar é sobre
pôr num SIM obtuso e gigante
um não pequeno porém potente
pôr num SIM mandatório e violento
um não pequeno porém perigoso, e vendo
tudo de cima, vendo do topo, vendo
sem venda alguma,
vendo que cada objeto
com valores que imputamos
precisa ser refeito, e que
casca de árvore
de certo
vale mais que ouro, e que
jorros de água de dentro
tomarão essa seca terra e esses incêndios
e tragarão esses sanguessugas todos,
salafrários mercadores da fé,
orgulhosos em suas hipocrisias,
cínicos em seus falseios,
e a imbecilização geral
essa cruz não é nossa
botar fogo embaixo dela e fazê-la
foguete
dezessete (2020)
Perfil
beta(m)xreis, pessoa transfeminina não binária, é uma multiartista, dedicando-se principalmente à poesia. Nasceu em Brasília, em 17 de agosto de 1988, e vive em Goiânia. É graduada em Ciências Sociais na UnB e concluiu mestrado em Antropologia na UFG. Tem interesse pessoal e profissional nas áreas de educação, tradução, revisão, antropologia e psicanálise lacaniana. Desenvolveu trabalhos em dança, teatro e performance-arte. Publicou dezessete (editora Nega Lilu, 2020), Lobo Bobo (pdf autopublicado) e Casa Pelos Cacos (selo Lola Frita, 2022), em parceria com Rosa das Neves. É editora da revista Tem Base?!. Publicou traduções e poemas em revistas e coletâneas.