[Coautora: Natasha Garcia Coelho[1]]
A psicanálise, aliás, Freud, o fundador desta teoria, técnica e método para tratamento de distúrbios mentais, se aproxima da literatura romântica, a fim de articular ou criar conceitos que melhor explicariam sua teoria. Schopenhauer, Nietzsche e Freud viveram em um período conhecido como a Era Vitoriana, no século XIX, período marcado por transformações culturais. O título deste ensaio pode parecer contraditório, tendo em vista, por exemplo, que Freud (2012, p. 185), em certos momentos, quis evitar ler Nietzsche para não ser influenciado por este. Então por que o convite se faz necessário? Talvez por dois motivos.
O primeiro diz respeito não a Freud, mas à transformação da filosofia. A filosofia antiga tinha como objeto de estudo vários temas, mas de forma universal. Assuntos pelos quais conhecemos hoje como pertencentes a alguma área específica, como exemplo: a mente, o sofrimento, as doenças, assuntos que, sem dúvida, são encontrados na literatura específica da medicina, da psicologia, da psicanálise, da biologia, entre outras. Deste modo, antes o que era um saber universal agora tornou-se parte do todo. Cada parte é estudada por alguma área específica, como mencionado acima, o que ocorre também com a filosofia contemporânea, que passa a ter como objeto de estudo, entre outros, o conhecimento de outras ciências para fazer suas reflexões.
O segundo motivo seria a falta de uma sistematização da recepção filosófica geral da psicanálise, e particularmente no Brasil. Ora, há algum tempo a psicanálise vem sendo questionada sobre sua cientificidade, o que pode ser observado nas redes sociais, nos jornais e em outras tecnologias de comunicação. Mas isso nem sempre é ruim, pelo contrário, interrogar é o que faz a ciência avançar. No entanto, os questionamentos atuais anunciam mais um ataque do que uma crítica, o que enseja, portanto, um debate improdutivo. Freitas Pinto (2018), ao reconhecer trabalhos importantes acerca da inter-relação das filosofias de Schopenhauer e Nietzsche com as ideias de Freud, faz um convite a filósofos brasileiros: o convite é de que eles possam contribuir para uma sistematização da recepção filosófica da psicanálise, o que seria bastante útil, ao que nos parece, por duas razões: a) para a defesa dos ataques sem fundamentos contra a psicanálise e b) para o avanço da ciência psicanalítica no sentido de novas contribuições.
Embora esteja muito em voga o termo “especialista”, há uma tendência fortemente atual dos saberes se unirem, mas, diferentemente da filosofia antiga, cada ciência continuará a ter seu próprio campo de estudo, ainda que utilize os saberes de outras áreas com o objetivo de complementar as próprias teorias, ou seja, cada ciência tende a utilizar o conhecimento de outra.
Todavia, acreditamos que o estudo da psicanálise pela perspectiva da filosofia, além de contribuir para a própria filosofia, tem muito a colaborar também com os psicanalistas. Podemos verificar essa postura no próprio Freud, que utilizou e citou diversos artistas, escritores, filósofos. Isso significa o quão importante foi para o fundador da psicanálise “pegar emprestado” o saber de outras áreas, inclusive da ficção e da mitologia.
As questões e desafios da atualidade instigam o desenvolvimento e o surgimento de teorias, demandando cada vez mais reflexões, críticas, outros estudos, outras análises, novas junções de áreas distintas, enfim uma busca constante pelo saber interdisciplinarizado, daí a importância de Freud convidar Schopenhauer e Nietzsche e outros mais…
[Revisão de Ana Tércia e Gabriel Santana. Revisão final e edição de Rosângela Chaves]
Referências
FREITAS PINTO, Weiny César. Notas para uma sistematização histórica da recepção filosófica da psicanálise no Brasil. Nat. hum., São Paulo, v.20, n. 2, p. 113-122, dez.2018. Disponível <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302018000200009&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 08 nov. 2023.
FREUD, Sigmund. Contribuição à história do movimento psicanalítico. In: Obras Completas, volume 14: totem e tabu, contribuição à história do movimento psicanalítico e outros textos. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 178-237, (Originalmente publicado em 1914).
O artigo é o décimo texto da sétima edição do Projeto Ensaios, um projeto de divulgação filosófica coordenado pelo professor Weiny César Freitas Pinto, do curso de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com o site Ermira Cultura, que visa colocar em diálogo a produção acadêmica com a opinião pública por meio da publicação de ensaios. Confira os outros textos publicados:
- Efígie, de Paola Dias Bauce, disponível em: https://ermiracultura.com.br/2024/06/01/efigie/.
- “Van Filosofia”: um passeio pelas ruas de Campo Grande, de Herma Aafke Suijekerbuijk, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/08/van-filosofia-um-passeio-pelas-ruas-de-campo-grande/
- Superação e retorno à metafísica, de Cristian Marques, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/15/superacao-e-retorno-a-metafisica/.
- Distopia do capital: o realismo capitalista e a devastação ambiental, de Anthony Franklin Prates Carvalho e Flávio Amorim da Rocha, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/22/distopia-do-capital-o-realismo-capitalista-e-a-devastacao-ambiental/
- Vínculo e psicanálise, de Caroline S. dos Santos Guedes, Weiny César Freitas Pinto e Natasha Garcia Coelho, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/29/vinculo-e-psicanalise/.
- Máquinas podem pensar como humanos?, de Kauê Barbosa de Oliveira Lopes e Jonathan Postaue Marques, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/07/06/maquinas-podem-pensar-como-humanos/.
- Qual é o lugar da literatura?, de Maria Clara Barcelos e Flávio Amorim da Rocha, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/07/13/qual-e-o-lugar-da-literatura/.
- Ricoeur: leitor e intérprete de Freud, de Pedro H.C. Silva, Gabriel Santana e Paula Mariana Entrudo Rech, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/07/20/ricoeur-leitor-e-interprete-de-freud/.
- As profissões imperiais no Brasil: uma majestade inabalável, de Guilherme Giovane Ribeiro de Moraes e Flávio Amorim da Rocha, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/07/27/as-profissoes-imperiais-no-brasil-uma-majestade-inabalavel/.
[1] Graduanda em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: n.garcia@ufms.br