[Coautores: Lucas Aguilar[1]e Amanda Malerba[2]]
Entender o processo de desenvolvimento da criança é essencial para a compreensão de sua evolução como estudante. Muito se fala da dificuldade de desenvolvimento dos alunos nas escolas. Mas, afinal, qual dificuldade essas crianças têm encontrado? E quais dificuldades os educadores e responsáveis têm percebido? Na psicologia, o termo “psicogênese” diz respeito aos estudos que se dedicam à origem do desenvolvimento dos processos mentais. Segundo Henri Wallon, em seu texto “Psicogênese da Pessoa Completa” (1948), a análise genética, partindo do pressuposto de que o sujeito passa por transformações desde o nascimento, que visa enxergar o ser humano como um todo, sem fragmentá-lo em elementos, é a forma mais eficaz de compreender a totalidade do desenvolvimento psíquico.
Ainda na intenção de explicar o desenvolvimento cognitivo da criança, Wallon criou o conceito “campos funcionais”, que se divide em categorias de atividade e habilidades cognitivas específicas. Na concepção de Wallon, existem quatro campos funcionais e, entre eles, o conceito de maior contribuição para este texto é o da afetividade, compreendida como um conjunto funcional de respostas aos estados de bem-estar e mal-estar. De acordo com a psicóloga alemã Stefanie Stahl, há uma relação direta entre as necessidades físicas básicas e as sensações de bem-estar:
Todo bem-estar ou mal-estar que sentimos é um indício de que uma ou mais de nossas necessidades emocionais ou físicas estão sendo afetadas. Sentimos que nossas necessidades básicas foram satisfeitas, então nos sentimos bem. Ou então, se sentimos mal-estar, percebemos que algo nos falta. (Stahl, 2022, p.29)
O desenvolvimento é compreendido por Wallon de modo dialético, marcado por conflitos, retrocessos, rupturas, em consequência das modificações ambientais, nas quais é possível constituir um processo contínuo, que ocorre por meio de uma sucessão não linear de estágios. De acordo com Wallon, toda e qualquer influência, desde os primeiros meses de vida, contribui para a formação do ser humano (Wallon, 1975). Dessa forma, podemos dizer que o ser humano é composto e desenvolvido por fases que dependem não só dele, que está em um estágio de formação, mas também de uma sociedade como um todo. Portanto, a teoria walloniana a respeito das emoções, do ato motor, da cognição e da formação da personalidade orienta um entendimento profundo a respeito da formação do ser por completo no âmbito da psicologia e da pedagogia.
Um fator crucial que Wallon aponta em suas pesquisas é a valorização do afeto. Para ele, as emoções têm função de extrema importância para o desenvolvimento do ser humano, o que torna possível a reflexão sobre a educação, em especial, a relação do professor com o aluno. O professor está no lugar de mediador e facilitador do processo de construção da identidade da criança: um docente com a devida consciência desse fato saberá de sua influência, não apenas no espaço cognitivo, mas também diretamente na dimensão afetiva e motora do aluno. Além das grandes contribuições para o entendimento das relações professor-aluno, Wallon situa a escola como “meio social” fundamental no desenvolvimento das crianças.
É interessante refletir sobre a leitura de Wallon com base no cenário da educação no Brasil, a qual encontra-se precarizada e negligenciada em diversos aspectos, especialmente a educação pública. Muitas vezes, professores e educadores negligenciam pontos positivos do aluno, como inclinações para arte, esportes e outras aptidões que não são levadas em consideração na grade curricular atual, que têm como base as matérias de Língua Portuguesa e Matemática. A impressão que é passada através da cobrança constante ao aluno é que, independentemente de gostar ou não da matéria, ele precisa ter um bom desempenho, caso contrário, ele não é bom o suficiente.
Essa forma de ensino e avaliação é totalmente controversa dentro da teoria de Wallon. Professores e docentes precisam entender seus alunos da forma mais completa possível, sem negligenciar seus prazeres e desprazeres, uma vez que, nessa perspectiva, é necessário conhecer o aluno para poder ensiná-lo. Entender o ponto de partida do desenvolvimento do ser humano é um ponto crucial para quem educa, pois são essas fases que são essenciais para a formação particular da cognição de cada indivíduo. Só assim seria possível identificar as inclinações pessoais do aluno e conseguir trabalhar a partir de cada uma delas.
É possível aplicar a teoria de Wallon em sala de aula quando enxergamos o aluno além do superficial, além da roupa que veste, da forma que fala etc. O aluno deve ser visto a partir de quando nasceu, como nasceu e como vive até chegar aonde está, dessa forma, torna-se essencial enxergar suas emoções e contribuir para o lado positivo, ensiná-lo a lidar com o lado negativo, e, em primeiro lugar, ajudá-lo a entender suas emoções e o porquê delas. Nesse modelo, devem ser considerados os desejos da criança, os medos e todo e qualquer sentimento e experiências de vida que a formam. Também é necessário saber individualizar cada experiência pessoal, pois, às vezes, um método de ensino que funciona para um aluno pode não funcionar para o outro, e, ao entender isso, os educadores podem adaptar atividades e formas de ensino para que o aluno consiga aprender dentro de suas condições.
Para entender e trabalhar a favor deste processo, toda a equipe atuante na área da educação, desde os educadores aos ministros da Educação e até mesmo os responsáveis legais pela criança, precisam ter um olhar empático e amoroso para o estudante, entendendo-o como uma pessoa completa e considerando cada aspecto de sua vida desde o seu nascimento até a fase atual. Com este olhar, professores conseguem ter um resultado mais eficaz de seu trabalho e os alunos podem aprender de forma mais clara, melhorando, assim, tanto o lado do docente quanto do discente.
Isto posto, concluímos que, ao olhar para cada questão com amor e empatia, isto é, com afetividade, podemos ajudar as nossas crianças a se desenvolverem por completo e de forma saudável. Porém, só o olhar não basta, é necessário que o modelo de ensino se adeque às necessidades pessoais de cada aluno. Adaptar atividades e até mesmo o ambiente escolar seriam boas opções, mas para isso é necessário que todos os responsáveis pela educação das criança estejam de acordo e trabalhando juntos visando sempre o melhor.
[Revisão de Ana Tércia e Gabriel Santana. Revisão final e edição de Rosângela Chaves]
Referências
FERRARI, M. Henri Wallon: O educador integral. Revista Nova Escola, Edição Especial. 2008.
FERREIRA, A.L. Contribuições de Henri Wallon à relação cognição e afetividade na educação. p.21-38, 2010.
WALLON, H. Psychogenèse de la personne complète. France: Revue Enfance, 1948.
WALLON, H.: Psicologia e educação da infância. Lisboa: Editorial Estampa, 1975.
STAHL, S.: Acolhendo sua criança interior. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2022.
GRAZIANNY, M. et al.: A teoria psicogenética de Wallon e sua aplicação na educação. Campina Grande, 2013.
[1] Mestrando em Filosofia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. E-mail: aguilarmlucas@gmail.com
[2] Doutoranda em Filosofia na Universität Hildesheim. E-mail para contato: amandamalerba3@gmail.com
O artigo é o 11º texto da sétima edição do Projeto Ensaios, um projeto de divulgação filosófica coordenado pelo professor Weiny César Freitas Pinto, do curso de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com o site Ermira Cultura, que visa colocar em diálogo a produção acadêmica com a opinião pública por meio da publicação de ensaios. Confira os outros textos publicados:
- Efígie, de Paola Dias Bauce, disponível em: https://ermiracultura.com.br/2024/06/01/efigie/.
- “Van Filosofia”: um passeio pelas ruas de Campo Grande, de Herma Aafke Suijekerbuijk, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/08/van-filosofia-um-passeio-pelas-ruas-de-campo-grande/
- Superação e retorno à metafísica, de Cristian Marques, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/15/superacao-e-retorno-a-metafisica/.
- Distopia do capital: o realismo capitalista e a devastação ambiental, de Anthony Franklin Prates Carvalho e Flávio Amorim da Rocha, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/22/distopia-do-capital-o-realismo-capitalista-e-a-devastacao-ambiental/
- Vínculo e psicanálise, de Caroline S. dos Santos Guedes, Weiny César Freitas Pinto e Natasha Garcia Coelho, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/06/29/vinculo-e-psicanalise/.
- Máquinas podem pensar como humanos?, de Kauê Barbosa de Oliveira Lopes e Jonathan Postaue Marques, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/07/06/maquinas-podem-pensar-como-humanos/.
- Qual é o lugar da literatura?, de Maria Clara Barcelos e Flávio Amorim da Rocha, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/07/13/qual-e-o-lugar-da-literatura/.
- Ricoeur: leitor e intérprete de Freud, de Pedro H.C. Silva, Gabriel Santana e Paula Mariana Entrudo Rech, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/07/20/ricoeur-leitor-e-interprete-de-freud/.
- As profissões imperiais no Brasil: uma majestade inabalável, de Guilherme Giovane Ribeiro de Moraes e Flávio Amorim da Rocha, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/07/27/as-profissoes-imperiais-no-brasil-uma-majestade-inabalavel/.
- Freud convida Schopenhauer e Nietzsche, de Iolene Aparecida Seibel e Natasha Garcia Coelho, disponível em https://ermiracultura.com.br/2024/08/03/freud-convida-schopenhauer-e-nietzsche/.