Washington (EUA) – Mulheres, homens, crianças, brancos, negros, latinos, muçulmanos, portadores de deficiência em cadeiras de rodas e representantes LGBT cobriram a colina do Capitólio e do Washington Mall de chapéus rosa e cartazes criativos. Esse era o cenário da Marcha das Mulheres, em que o batom vermelho foi considerado pintura de guerra. Mas, ainda assim, tratava-se de uma manifestação pacífica, de humor ácido e de empoderamento.
A marcha ocorreu no sábado, dia 21, o primeiro dia de mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. A ideia originou-se de um evento no Facebook criado por Teresa Shook em novembro, quando o choque do resultado das eleições presidenciais no país era ainda vívido. Ela disse que as mulheres deveriam marchar até a Casa Branca. Em menos de dois meses, esse apelo tornou-se um movimento adotado em todos os Estados Unidos e em escala global, totalizando 673 marchas em mais de 80 países no mundo. Estima-se mais de 4,7 milhões de manifestantes em todos os sete continentes.
Organizada por Tamika D. Mallory, Carmen Perez, Linda Sarsour e Bob Bland, a marcha teve como objetivo enviar uma mensagem para o governo Trump e para o mundo de que os direitos das mulheres são antes de tudo direitos humanos. “Estamos juntos e reconhecendo que defender os mais marginalizados entre nós é defender a todos nós.” O comício da Marcha das Mulheres começou às 10h da manhã com discursos de ativistas e artistas como Scarlet Johansson, Madonna, America Ferrera, Michael Moore e Van Jones.
Nasty woman, mantra do movimento
Durante a campanha eleitoral, Donald Trump manteve uma postura xenofóbica, sexista, homofóbica e racista. Ele declarou que imigrantes são estupradores, criminosos e envolvidos com o tráfico de drogas. Quando o grupo de supremacia branca Ku Klux Klan publicamente o endossou, Trump não condenou ou demonstrou qualquer desaprovação a esse tipo de apoio. Seu vice-presidente, Mike Pence, por diversas vezes foi acusado de acreditar na teoria de conversão, método que mudaria a orientação sexual de uma pessoa por psicoterapia. Apesar de Pence não ter comentado sobre o assunto, a página referente às questões relacionadas ao movimento LGBTQ foi removida do site oficial da Casa Branca no momento em que Trump foi empossado como o 45º presidente dos Estados Unidos da América.
Desde a década de 1990, quando Trump era uma celebridade de reality show, o atual presidente norte-americano foi acusado de assédio sexual e constantemente fez comentários depreciativos sobre as mulheres. O presidente, em um vídeo que vazou em outubro de 2016, não teve nenhum pudor em dizer aos colegas por onde ele agarrava as mulheres e que, “quando se é uma estrela, elas deixam você fazer qualquer coisa”. A palavra usada por Trump, traduzida também como “bichano”, é de baixo calão e indica a parte íntima das mulheres.
Na Marcha das Mulheres, os americanos, que usualmente tendem a ser sensíveis ao uso de palavrões, bradaram e escreveram o termo em cartazes e usaram representações da parte feminina como bandeira. Também foi usado em massa o gorro rosa de duas pontas, denominado bichano e, claro, o famoso “nasty woman”, que tornou-se mantra do movimento. No último debate televisionado entre Donald Trump e Hillary Clinton, Trump interrompeu a fala de Hillary dizendo que ela era uma “nasty woman”. A conotação de nasty, nesta frase, é de algo nojento e desagradável.
“Eu não sou tão nasty como racismo, fraude, conflito de interesses, homofobia, agressão sexual, transfobia, supremacia branca, misoginia, ignorância, privilégio branco. Mas, sim, eu sou uma mulher nasty! Uma mulher barulhenta, vulgar e orgulhosa. Eu não sou nasty como o combo de Trump e Pence sendo servido até mim em minha cabine de votação. Eu sou nasty como as batalhas que minhas avós lutaram para me colocar naquela cabine de votação. Eu sou nasty como a luta pela igualdade salarial. Nós não estamos aqui para sermos desmascaradas. Estamos aqui para sermos respeitadas. Estamos aqui para sermos nasty”, bradou a atriz Ashley Judd no comício da Marcha das Mulheres em Washington, DC.
Talia, de 12 anos, era uma menina dentre as muitas que reconheciam a necessidade do movimento. “Se eu pudesse falar com o Trump, provavelmente usaria a palavra com f… algumas vezes”, disse ela, rindo. “Mas eu também diria que, se Trump realmente acha que consegue fazer o mundo um lugar melhor, eu estarei aqui para ver. Porque, nesse momento, não está. Quando eu tiver 20 anos, eu quero ter direitos iguais como mulher e espero que isso aconteça”, afirmou.
Lucy, Kate, Nahaa, Mariki, Story, Toya e Eva, meninas entre 6 e 8 anos, expressaram a importância da marcha. “Nós temos que mostrar os nossos sentimentos”, elas disseram, “porque somos mais fortes juntas”, adicionou Lucy, lembrando-se da frase de propaganda da então candidata democrata Hillary Clinton. As meninas são fãs de Hillary e de Michelle Obama. “Michelle Obama é muito poderosa e sempre lutou pela liberdade de todos”, disseram. “E Hillary chegou muito perto de ser presidente dos Estados Unidos”.
Para Nahaa, as amigas eram a sua maior fonte de inspiração. “Todas nós estamos prontas para defender umas às outras, mesmo que todas nós sejamos bem diferentes. Algumas são mais altas e de raças e etnias diferentes, mas isso não tem importância.”
As meninas mandaram uma mensagem para Trump: “Somos todos iguais e você não irá tirar isso de nós”, disse Lucy. Toya aconselhou que ele deveria pensar bem antes de agir porque, segundo elas, Trump não tem poder algum sobre elas. “Cuidado! Você pode sofrer um impeachment”, avisou Eva. Com um grupo desses, os americanos não deveriam ter medo do futuro, e sim entregá-lo com fé para essa geração.
Apesar de as marchas-irmãs espalhadas pelos Estados Unidos, Nina Clark e Sara Ryan, de 22 e 16 anos, viajaram de Chicago para Washington. “Nós viemos aqui para protestar contra a posse de Donald Trump e para apoiar os direitos das mulheres”, explicou Nina. “Viemos de ônibus e o motorista não parecia muito confortável com isso”, contou.
E quais seriam os resultados dessa marcha? “Trump provavelmente só nos verá como um grupo de pessoas que não concorda com ele”, disse Sara. “Mas isso não é para ele, é para nós. O mais importante é que esse movimento continue. É um jeito de mostrar para todos que se sentem sozinhos de que há pessoas aqui que se importam e que vão lutar por eles”, adicionou Nina. “E isso irá continuar.”
Mensagem de intolerância
Sandra e James Hickman e Kathy Wells foram para a marcha representando o Partido Democrata do Alabama, um Estado predominantemente republicano. “Eu acho que Trump já começou a fazer mudanças no país”, afirmou Sandra. “Ele enviou uma mensagem para os homens que não há nada de errado em desrespeitar uma mulher, e ele afeta inclusive crianças”.
Desde a eleição, relatos de assédio e bullying contra imigrantes, muçulmanos, meninas, LGBT, crianças especiais em escolas do nível fundamental e secundário aumentaram consideravelmente. Em uma escola de ensino médio no Arizona, um grupo de estudantes hasteou a bandeira da Confederação, um símbolo da escravidão no Sul durante a Guerra Civil nos Estados Unidos. Em várias escolas de ensino fundamental nos Estados Unidos, meninos agarraram e tocaram meninas de forma inapropriada; crianças vandalizaram propriedades da escola com palavras de teor racista e xenofóbico.
Isso foi realidade em Estados que durante as últimas décadas votaram nos democratas religiosamente. Suásticas foram desenhadas em portas de banheiros e na mesa de uma professora de espanhol na Califórnia. Em Oregon, um aluno de ensino médio perguntou para duas estudantes latinas se elas estavam prontas para voltar para o México, já que Trump era presidente.
Sandra contou que, no Alabama, ela conhece crianças com pais paquistaneses. Todos os dias, crianças aproximam-se deles e dizem que eles têm de voltar para o Paquistão. E o motivo, explicitamente, é a nova administração. “Eu tenho uma filha que mora no sul da Virgínia, e a melhor amiga dela é birracial”, disse Sandra “Um dia, depois da eleição, essa menina foi cercada por crianças da escola e a chamaram da palavra com ‘n’ e explicitamente disseram que agora eles podiam falar a palavra, agora que Trump é presidente.” A palavra com ‘n’ é a expressão nigger, que era utilizada na época da escravidão para se referir aos negros. Hoje em dia, nos EUA, é politicamente incorreto proferi-la e até escrevê-la.
“Todas as mulheres me inspiram”
Para quem é de fora, é difícil compreender como uma nação que teve um presidente liberal e negro por oito anos elege Donald Trump. Sheryl, da Carolina do Norte, diz que foi porque muitas pessoas não estavam satisfeitas com a administração de Obama. “Eu acho que o Congresso, desde o primeiro dia, não estava disposto a trabalhar com o presidente Obama. E, por causa dessa obstrução, muitas coisas não aconteceram”, disse ela, “mas as coisas que aconteceram foram boas.”
Sobre a marcha, Sheryl e seu marido Bob não acreditam que Trump dará muita atenção ao movimento. “Mas nós temos que mostrar que ele tem que nos escutar”, comentou Bob. “Essas pessoas não vieram aqui aleatoriamente. Estamos aqui porque temos filhos e netos e queremos que eles continuem a crescer em uma sociedade livre, onde pessoas se respeitam e o governo toma conta de nós”, completou Sheryl. “Todas as mulheres me inspiram. Elas têm que passar por muitas coisas em um campo cheio de desigualdades e, mesmo assim, sabem como superar as adversidades. Isso me inspira”, explicou Bob.
A maior preocupação de Meneal, imigrante muçulmana e mãe de três filhas, é como Trump vê muçulmanos e imigrantes. “Trump disse muitas coisas horríveis sobre os muçulmanos. Eu estou aqui para proteger o meu povo e a mim mesma. Eu quero que o meu presidente saiba que nós não somos terroristas”.
Meneal disse não ter problema com o objetivo de Trump de tornar os Estados Unidos “grande outra vez”, entretanto, ela não consegue apoiar o discurso do presidente contra imigrantes. “Esse país foi construído por imigrantes que vieram aqui desejando somente liberdade e igualdade”, disse ela. “Toda nação tem o lado bom e o lado ruim, e não tem como você julgar os lados como a mesma coisa. Eu espero que ele peça desculpas para essas pessoas”, disse Meneal. Gesticulando para a multidão, completou: “Porque essas pessoas são o povo dele, são as nossas crianças, amigos, primos, vizinhos e colegas de trabalho.”
“Nós conseguimos”
Eram mais de duas horas da tarde quando a organização revelou que os manifestantes “haviam quebrado Washington”. A aglomeração tinha excedido as expectativas, naquele momento com meio milhão de pessoas. Como um dos manifestantes brincou, eles foram demasiado bem-sucedidos. “Nós conseguimos. Vocês conseguiram. Tudo que precisamos agora é que vocês liguem para os seus senadores amanhã. Façam com que eles fiquem sabendo o que vocês querem”, avisou uma das organizadoras.
Apesar de a Marcha das Mulheres não ter chegado à Casa Branca, os manifestantes não se sentiram desapontados. “Eu estou aqui porque tenho orgulho de ser uma latina”, disse Ignacia Alonso, de 17 anos. “Eu acho que isso foi uma grande oportunidade e com certeza fizemos história”.
3ª onda feminista
As duas ondas do feminismo nos Estados Unidos marcaram a história americana com foco, respectivamente, no direito ao voto e de propriedade e na entrada da mulher no mercado de trabalho, direitos reprodutivos, a violência doméstica e leis de custódia e divórcio. Mas a Marcha das Mulheres foi o primeiro movimento que, em larga escala, lutou não só pelos direitos das mulheres, como também os direitos dos LGBTs, além de combater a desigualdade entre raças e problemas ambientais. Foi o primeiro movimento que se espelhou na forma mais pura do conceito de feminismo: a ideia de direitos iguais entre todos. A Marcha das Mulheres trouxe esperança para as minorias, em um mundo que dia após dia se aproxima mais da extrema direita.
Minha querida
realmente vc foi uma participante,que deu a possibilidade ao mundo inteiro através de sua postagem , da forma como a sociedade Americana está dividida.
O senhor Tranp é um travestido, pois quer usar a sua influência para complicar tudo na sociedade Americana. do jeito que ele é temos uma possibilidade muito grande de ele com suas atitudes ;- ele globalmente poder criar instabilidade no mundo.
A sociedade Americana vai se aperceber que a sua investidura , nada trouxe de relevante para os Americanos, as suas vidas não vão melhorar dentro das expectativas de quem o elegeu.
muito obrigado por sua eloquência e objectividade que colocou em sua reportagem.
PARABÉNS-vc tem no seu sangue algo bem especial que é genético–vc é séria e objectiva como a maioria da familia LONGO em especial sua tia Katia.
meu obrido por sua atênção.
Fernando