A morte. Dela ninguém escapa. A ela estamos destinados todos nós, mais cedo ou mais tarde, das mais variadas maneiras, dentro das mais diferentes situações. O fim da vida material, da existência mundana, o inexorável ocaso de nossos dias unem, querendo ou não, todos nós, não importando a religião que professemos, a cor de nossa pele, nossa etnia, nossa ideologia, a grana que temos. Tudo se acaba no segundo derradeiro, na extinção do lume que nos sustenta. E já que é algo que nos abarca a todos, deveria ser este um terreno em que a empatia, a capacidade de se colocar em lugar alheio, de se identificar com uma situação que não é exatamente a sua – mas poderia ser –, prosperasse.
Isso, porém, acontece cada vez menos. Nem mesmo o fim da vida consegue sensibilizar um número imenso de pessoas que, em tal situação extrema, se coloca como se fosse imune a tragédias, a perdas, ao fim. O filho do técnico de uma grande equipe de futebol morreu, precoce e tragicamente. Muitos expressaram seu apoio; muitos outros preferem reclamar que perderão pontos em um jogo virtual porque determinada partida do campeonato foi adiada em razão do ocorrido. O político que governou a cidade teve um enfarto fulminante. Senha para incontáveis internautas expelirem seus ódios contra o ex-prefeito, como se isso fosse um alívio pessoal, regozijando-se com a perda de uma família.
“Nem mesmo o fim da vida consegue sensibilizar um número imenso de pessoas que, em tal situação extrema, se coloca como se fosse imune a tragédias, a perdas, ao fim.”
É possível criticar sem ser desumano, mas há quem discorde. E temos, assim, a demonstração de uma preocupante ausência de empatia, de expressões de ódio e vingança contra, não raras vezes, quem sequer se conhece, mirando pessoas públicas ou anônimas que, por algum motivo, viram assunto. Usando e abusando do direito de opinar, são milhões que se afastam de qualquer possibilidade de solidariedade e até de civilidade mínima. As desgraças que acometem os outros passam a ser motivo de diversão, de júbilo, banalizadas e até celebradas; transformam-se em algo distante e sem vínculos com quem comenta, dando, assim, a outorga para que tantos e tantos se coloquem em um pedestal, vendo tudo por cima, senhores de palavras rudes e virulentas.
Empatia, é bom esclarecer, não que dizer simpatia. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém. Se um político, um cantor, um jogador de futebol, um personagem desconhecido das ruas lhe é antipático, não é necessário ser hipócrita e se debulhar em elogios a essa pessoa, não importa em que situação seja. Há momentos, porém, em que o silêncio e não os cachorros soltos é a melhor opção. E não é preciso ir tão longe para constatar essa triste tendência. Falta empatia com os mais necessitados, com quem passa dificuldades, com quem precisa de apoio. Falta empatia com quem é diferente do padrão, com quem promove mudanças radicais na vida, com quem não compreendemos bem.
“Ninguém é obrigado a gostar de ninguém. Se um político, um cantor, um jogador de futebol, um personagem desconhecido das ruas lhe é antipático, não é necessário ser hipócrita e se debulhar em elogios a essa pessoa, não importa em que situação seja. Há momentos, porém, em que o silêncio e não os cachorros soltos é a melhor opção.”
Essa onda acaba reverberando e desembocando em situações dramáticas. As pessoas preferem filmar um acidente a prestar socorro. Dias desses um vídeo postado nas redes sociais mostrou um grupo de jovens que flagra e ironizam um homem que morre afogado, sem se preocuparem em tentar acudi-lo. É como se estivessem em uma ficção inconsequente, como se tais atitudes de distanciamento deliberado não provocassem consequências, algumas delas incontornáveis. Não nos reconhecemos mais naqueles que sofrem, que pedem auxílio, que passam por situações difíceis. Empatia, cadê você?
Como todo texto seu,ótimo! Também penso assim.
Que bom ter vc voltando das férias, nos brindando com esse excelente e instigante texto!