Uma das estreias no Cine Cultura, o premiado filme gaúcho Rifle, de Davi Pretto, deixa claro que a excelente estreia do diretor em Castanha (de 2014) não foi foi sorte de principiante. O jovem cineasta continua trabalhando com não atores e o resultado é instigante. Com várias referências ao western − em suas diversas facetas −, o longa-metragem mistura também outros gêneros para contar a história de formação de um justiceiro em meio aos conflitos no campo nos pampas do Rio do Grande do Sul.
O protagonista Dione, ao melhor estilo dos faroestes de Sergio Leone, é um rapaz calado, de cara fechada, misterioso, que ninguém sabe de onde veio nem sobre seu passado. Ele trabalha num pequeno sítio cuidando de um rebanho de ovelhas. Sua vida é modesta e pacata e, apesar da pobreza, parece tranquila, mas sua paz é ameaçada quando um grande proprietário quer comprar as pequenas propriedades da área. A partir daí, o idílio tem fim e o jovem passa a agir violentamente.
À medida que o equilíbrio frágil de seu mundo é ameaçado por um fazendeiro moderno, na verdade uma grande empresa de agronegócio, o personagem revela mais sobre sua origem. A família desestruturada, o histórico miserável, uma carreira abortada, a falta de perspectivas ou sonhos − tudo é desolador.
Felizmente, apesar de falar sobre um universo tão específico, não é difícil ser tocado pelo drama do protagonista. Com talento e poucos recursos, a trama tece uma convincente curva dramática ao narrar as transformações desse jovem que começa como mais um pária indefeso da especulação fundiária rural. Conciso em explicações, o filme se derrama no desenho de som, que dialoga e completa a atmosfera de suspense que toma conta da narrativa aos poucos. A fotografia eficiente dimensiona o isolamento dos personagens e a natureza implacável dos pampas na fronteira com o Uruguai. Apesar de a identidade gaúcha ser um tema, o bairrismo e o folclórico não são uma muleta narrativa.
De drama social sobre o agrocomércio o filme transborda para o suspense e o fantástico, passagens que se dão sobretudo nas lacunas do roteiro. Mesmo quando a direção assume as referências ao cinema de gênero, a narrativa não se esvazia de sentido. Ao contrário, a mistura entre o realismo da produção e a ficção pura de personagens como um lendário ladrão de gado só reforçam sua riqueza e demonstram o grande potencial de Davi Pretto e sua equipe, reiterando a boa surpresa que foi Castanha. Ao extrair dramas pessoais de uma denúncia sociológica, estruturados em um roteiro solto mas consistente, o cineasta oferece um filme singular e envolvente.
Estilo
O modus operandi de Davi Pretto lembra bem o estilo adotado no premiado Castanha, mas o caminho é inverso. O longa-metragem de 2014 começou como um documentário para contar a vida de um transformista de Porto Alegre e depois, durante as filmagens, é que a ficção entrou em cena. “O Dione Ávila de Oliveira, protagonista de Rifle, foi um achado. Na nossa pesquisa, quando me deparei com ele, que foi nos receber numa porteira, fiquei impressionado com seu jeito bravo, cara de mau, poucos amigos. Mas na verdade ele estava preocupado com um caso de violência da região, e viu a nossa equipe como uma ameaça. Depois o Dione se revelou um cara muito brincalhão, mas também um ator incrível, muito focado”, disse o diretor em entrevista no Festival de Brasília do ano passado.
Inicialmente a equipe do longa não pensava em fazer concessões ao cinema de gênero, mas, com o desenvolvimento do roteiro, que passou por várias versões ao longo dos anos, a conexão com o western aconteceu naturalmente. “Daí vimos esses pontos em comum com o faroeste, como o herói cheio de mistérios, de cara dura, que não fala sobre sua vida anterior ou de parentes”, conta o cineasta.
O projeto de Rifle é de 2010 e o roteiro original sofreu várias alterações. “O centro da história se manteve, que era falar sobre o interior gaúcho, de famílias isoladas no campo, vivendo modestamente. Porém, apesar da distância, a especulação latifundiária também chega lá, obrigando essas pessoas a vender sua terrinha ou perdendo seus poucos postos de trabalho e ir para a cidade grande”, destaca Davi Pretto.
Com seu método peculiar de contar suas histórias, apostando na dramaturgia com não atores, ele pesquisou em várias fazendas e sítios do sul do Rio Grande do Sul, até encontrar personagens reais que poderiam interpretar a ficção criada. “Queria muito ver o povo da região vivendo situações bem próximas da realidade deles mesmos. É um estilo de vida que está chegando ao fim”, disse Davi Pretto.
Confira abaixo o trailer do filme: