Frans Krajcberg esquivava-se quando indagado sobre onde começava o seu trabalho e onde terminava o da natureza em suas magníficas esculturas, que pareciam brotar do solo e desafiar o espaço que as circundava. “A morte tem forma”, desconversava, fazendo uma alusão ao material empregado nas obras, restos de madeira queimada provenientes de florestas brasileiras.
Morte que, paradoxalmente, transformava-se em beleza nas suas mãos, embora ele garantisse que este não era o seu objetivo. “Eu não tenho interesse em mostrar o belo. Às vezes, caio na estética, mas não é isso que procuro”, assegurava o artista, polonês naturalizado brasileiro, que morreu na quarta-feira, dia 15 de novembro, aos 96 anos de idade.
Em meados de 2005, esta repórter teve a chance de conversar rapidamente com o artista em Paris, que à época inaugurava uma grande exposição de seus trabalhos no Parque Bagatelle, dentro da programação do Ano do Brasil na França. A mostra reunia 30 esculturas, além de pinturas e fotografias.
Espalhadas pelo parque, as esculturas de Krajcberg, com suas formas estranhamente retorcidas e belas, formavam um impressionante contraste com o cenário sereno, de uma natureza completamente domesticada do local. O Parque Bagatelle, localizado dentro do Bois de Bologne, era o lugar onde Santos Dumont costumava fazer seus sobrevoos na capital francesa.
O artista definia suas esculturas como um grito. O grito de um homem indignado diante da destruição ambiental, em escala planetária. “Eu tenho simplesmente vontade de gritar. Se eu grito na rua, vão me trancar dentro de um hospital psiquiátrico. Então, é melhor criar novas obras.”
Lembranças de guerra
A imagem do fogo e do desmatamento consumindo as florestas brasileiras evocava no artista outras terríveis lembranças, da época em que ele havia sido combatente do exército soviético durante a Segunda Guerra Mundial. Quando chegou ao Brasil, no final da década de 1940, e se deparou pela primeira vez com uma grande área de vegetação atingida por queimadas, no Paraná, imediatamente o cenário devastador dos campos de batalha lhe voltou à mente.
“A guerra continua”, foi a sua reação diante da paisagem de terra arrasada pela ação do fogo. A arte foi a maneira que encontrou de reagir a essa devastação.
De origem judaica, Krajcberg nasceu em Kozienice, na Polônia, em 1921. Sua família foi morta nos campos de concentração nazistas e ele só escapou das câmaras de gás porque se alistou como combatente no exército soviético. Depois da guerra, estudou engenharia hidráulica e bela-artes em Leningrado (hoje São Petesburgo) e depois se mudou para a Alemanha, a fim de estudar pintura. Após uma temporada em Paris, onde travou conhecimento com grandes nomes das artes como Marc Chagall e Ferdinand Léger, resolveu emigrar para o Brasil em 1948.
Em terras brasileiras, depois de um período inicial de dificuldades, conseguiu realizar sua primeira individual em São Paulo em 1952. O reconhecimento, ao longo dos anos, só aumentou, e Krajcberg recebeu vários prêmios nacionais e internacionais. Nos últimos anos, ele mantinha um pequeno ateliê em Paris e uma casa em Nova Viçosa, no sul da Bahia. Neste refúgio, construíra um ateliê sobre o tronco de uma árvore, em meio à floresta.
“Eu nasci em um mundo que se chama Natureza e meu verdadeiro reencontro com a natureza foi no Brasil. Aqui, eu nasci uma segunda vez”, dizia. Ele foi também uma das primeiras vozes no Brasil a chamar a atenção para o avanço do desmatamento nas florestas brasileiras. Krajcberg se foi, mas sua obra vibrante, como ele o desejava, continua a emitir o grito contínuo de um artista sensível e original, que nunca se permitiu ficar indiferente em face da devastação da Terra.