Em Paris, no Boulevard Saint-Michel, havia um café que eu gostava de frequentar. As pequenas mesas de madeira, a parede revestida de lambris e um balcão distribuído harmoniosamente ao fundo − sobre o qual ficavam espelhos e prateleiras repletas de garrafas de bebidas − compunham um ambiente charmoso e sossegado, se algumas vezes um clochard não invadisse o recinto com estardalhaço à procura de vinho; depois, com discrição, um dos garçons devolvia-o à rua.
Por causa do reduzido espaço, eu preferia sempre uma mesa mais encantoada, de onde protegia a minha atenção das dispersões, evitando-a que fosse atraída, por exemplo, para o movimento na calçada que a janela de vidro não escondia lá fora, onde passava todo tipo de pessoa em vaivém, os mais imprevistos tipos urbanos que flanavam pela cidade.
Eu permanecia horas ali, degustando armanhaques e escrevendo. Nos anos em que morei no Quartier Latin, ninguém me incomodava pelo fato de ser estrangeiro. Em Paris, não há nada mais natural do que uma pessoa permanecer longo tempo sentada num café lendo um livro, um jornal ou escrevendo. Por ter me tornado um habitual cliente, acabei ganhando a simpatia do proprietário e dos garçons, os quais me saudavam com um “Bonjour, Monsieur”.
Não é preciso dizer que desfrutei inúmeras horas agradáveis naquele café, durante dois anos, mês após mês, semana após semana. Era o meu lugar secreto e protegido, para onde eu ia sempre que sentia vontade de escrever ou de ficar sozinho, na paz de uma cidade que, naquele tempo, acolhia os desgarrados do mundo, sem ninguém perguntar qual era a sua opinião política ou a sua crença. E, melhor ainda, sem imposição de barreiras pelo fato de serem originários de outro lugar.
Em suas memórias, Luis Buñuel faz uma distinção entre bar e café, embora seja difícil compará-los porque são assimétricos. Segundo ele, o bar é um lugar de meditação e recolhimento, ao passo que os cafés, como os de Paris, envolvem mulheres, muita conversa e discussão. Certamente, as pessoas que têm o hábito de conviver com um e outro podem eventualmente compará-los. No meu modo de compreendê-los, um café e um bar guardam muitas semelhanças entre si, sem se excluírem.
O aragonês, porém, devia ter razões de sobra para esse tipo de analogia: assim como Goya, ele refletia sobre as extravagâncias sociais e institucionais. Não é pois sem razão que, em Madri, ele gostava de frequentar o Chicote, um bar no qual encontrava tranquilidade para pensar.
Quando estava filmando, Buñuel gostava de ficar sozinho durante quase uma hora para pensar o seu filme. Após esse tempo, Jean-Claude Carrière, o seu roteirista preferido, ia encontrá-lo para discutir nuances e pormenores do roteiro. A conversa, tudo indica, devia ter sido muito boa: a celuloide transpareceria mais tarde essa criação compartilhada de dois amigos que desafiavam os valores da burguesia, do clero e dos militares.
Em face desses encontros já tão distantes, penso que a vida seria impossível, particularmente para um artista, se não houvesse um lugar − bar ou café − para onde se ir e permanecer algumas horas refletindo sozinho sobre um trabalho em andamento.
Como Hemingway pensava − e os surrealistas e os existencialistas demonstraram −, cafés e bares são ótimos ambientes para se criar e imaginar a mudança de alguma realidade, mesmo que o espírito de Lampedusa flutue por perto, mesmo que alguma conspiração − que quase sempre ocorre num café ou num bar − implique uma aventura que envolva perigos, traições e tiroteios.
Afinal, entre tantos motivos, eis por que adoro os cafés parisienses: as mesas espalhadas pelas calçadas, a simpatia dos recintos interiores, o rumor de vozes, as mulheres elegantes que entram e saem, os vinhos, a champanhe, um certo aroma que permanece no ar, se estou nessa adorável Paris na primavera, no verão, no outono ou no inverno, como lembra a bela canção de Cole Porter…
Como lugar de convivência, na alegria e na tristeza, os cafés são o melhor lugar para se estar à vontade neste mundo tão pobre de confortos e tão rico de ruínas.
Os cafés − alguém duvida? − são para quem tem alma leve e aprecia taças de chardonnay, uma após a outra.
Deliciosas lembranças, e homenagem ao nosso Bunel. Merci.