Onde olhos pouco treinados só veem a matéria, ela já enxerga formas. Enquanto a regra entre os estilistas profissionais é esboçar primeiramente os modelos para depois escolher os materiais, Nara Resende costuma fazer o caminho contrário. Ela prefere percorrer antes as lojas de tecidos, onde extrai da textura de viscoses, sedas e malhas, de suas tonalidades e estampas, os desenhos de suas criações.
Com 27 anos de carreira, Nara ficou conhecida em Goiânia por suas roupas marcadas por um estilo bem particular e ao mesmo tempo atemporal, já que ela prefere conceber suas coleções sem se curvar às modinhas de momento. “Eu sempre pensei a roupa de forma atemporal. Não gosto de tendências e modismos porque não gosto daquilo que todo mundo está usando. A pessoa não expressa quem ela é. Torna-se apenas mais um na multidão”, critica.
Na tarde de sexta-feira deste mês de abril em que a estilista recebeu a reportagem de ERMIRA, na sua loja no Setor Marista, o modelo que ela usava (e com o qual aparece na foto acima) é uma prova desse caráter atemporal do seu trabalho. Com fundo preto e estampa floral, o vestido foi confeccionado por Nara há quase 30 anos, antes mesmo de se lançar profissionalmente no ramo da moda, e tem um design bem contemporâneo.
A maior parte da matéria-prima, a estilista adquire em Goiânia mesmo, em maratonas pelas ruas congestionadas de Campinas. “Goiânia é polo, tem um mercado de muita qualidade, que atende o país inteiro”, afirma. O que para muitos pode parecer um sacrifício, para ela é a parte mais prazerosa do ofício. Conhece cada portinha do comércio local e passa horas inebriada entre os metros de pano. Às vezes, apaixona-se tanto por determinado tecido que seu desejo é simplesmente envelopar o corpo com ele, como fazem muitos povos mundo afora. Sua predileção são as viscoses – apesar de ter um carinho especial pelas sedas – porque são mais fluidas, ao passo que considera os tecidos de algodão, embora confortáveis, “mais duros”.
“Fluidez”, aliás, é uma palavra-chave para qualificar as criações de Nara. Pensando em si própria – ela que diz detestar roupas muito apertadas e coladas –, a estilista tem preferência por modelos mais soltos e confortáveis e esse gosto pessoal transparece em suas coleções. Também nutre uma enorme atração pelas estampas – outra forte característica do seu trabalho, cujo traço mais marcante sempre foi a estamparia ousada e hipercolorida. No entanto, essa característica aparece mais atenuada na coleção de outono-inverno que lançou neste semestre, em que predominam os tons mais básicos e terrosos e as figuras geométricas.
Da quadra de esporte para o ateliê de costura
As influências de Nara vieram da própria família. Sua tia, Sônia Braz, atualmente morando em Porangatu, e a avô materna, Laurica Braz, mantinham ateliês de costura perto da casa dos pais de Nara, no Setor Urias Magalhães. Já o pai, Dijalmas, hoje com 74 anos, era um hábil marceneiro. Assim, desde criança, Nara teve o interesse despertado pelo trabalho manual, pela habilidade em criar objetos, sejam eles roupas, sejam móveis. Porém, ela que fez dos tecidos, das agulhas e das linhas seus instrumentos de ofício tinha planos bem diferentes em mente quando era adolescente.
Dos 11 aos 18 anos, Nara foi uma ativa esportista, como jogadora de vôlei das equipes do Jóquei e do Goiás e chegando ao posto de atacante da seleção goiana de voleibol, na qual foi campeã brasileira. Sua rotina diária era de treinos diários de seis a oito horas. “Eu pensava que ia jogar vôlei pelo resto da minha vida”, conta.
A paixão pelo esporte também veio de casa. Primogênita e única menina de uma família de quatro filhos, era a moleca que adorava jogar bola com os três irmãos e o pai – além de marceneiro, Dijalmas Resende também foi radialista esportivo e era tão fanático por futebol a ponto de instalar um campo para as peladas com os parentes e amigos no quintal. Mas uma séria lesão no joelho durante uma das partidas de vôlei tirou Nara definitivamente das quadras.
No período em que estava convalescendo em casa, o pai de Nara pediu-lhe para fazer um desenho de um móvel que ele iria confeccionar. Empolgada com a tarefa, ela – embora até hoje considere que seu traço é apenas “rudimentar” – decidiu prestar vestibular para Arquitetura, na então Universidade Católica de Goiás, hoje PUC-GO.
Quando ingressou no curso, Nara já produzia ela mesma as roupas que usava há algum tempo, criando modelos que a sua tia costurava. Também já ganhava uns trocados como sacoleira, levando para vender nas casas das amigas as peças em cotton – uma febre na época –, que sua mãe, Célia, fabricava numa pequena confecção que abrira. Teve, então, a ideia de passar a comercializar as suas próprias criações para ajudar a pagar as mensalidades da faculdade. Desde essa época, os produtos de Nara já faziam diferença. Seu próprio figurino – vestidos compridos e largadões, combinados com coturnos – destoava frontalmente do “uniforme” de início da década de 1990 usado pelas jovens de sua idade, calça jeans da Zoomp, tênis Redley e camiseta da Bee. Mesmo assim, Nara vendia bem e foi formando sua clientela.
Embora não tenha concluído o curso, a passagem pela faculdade de Arquitetura foi fundamental para ampliar os seus horizontes. Adorava as aulas de história da arte e da arquitetura, embora não gostasse muito da parte prática, de elaboração de projetos. Também nessa época acompanhou de perto a efervescência da cena cultural da década de 1990 em Goiânia, em especial da dança, quando a Quasar dava seus passos iniciais. Junto com essas influências, uma visita que fez com a mãe a uma atacadista de tecidos, a Dalutex, que funcionava na Av. 85, foi decisiva para ajudá-la a definir o seu destino profissional. Nara se encantou com a textura dos tecidos. Foi naquele momento que vislumbrou o que queria ser, embora demorasse um pouco para amadurecer seus projetos.
Ainda na fase em que cursava Arquitetura, Nara resolveu se arriscar em sua primeira empreitada comercial. Abriu a Agnus Dei, tendo como sócio Léo Romano – hoje um dos mais renomados arquitetos da cidade e que Nara conheceu quando fazia um curso de fotografia no Senac e ele trabalhava como modelo. Além de vender as roupas assinadas por Nara e Léo, a Agnus Dei promovia desfiles na rua e em espaços culturais como o Zabriskie, quando o teatro funcionava no Setor Marista. A parceria durou pouco, e Nara acabou tocando sozinha o negócio.
A Agnus Dei, no entanto, logo iria à falência, algo que ocorreria outras vezes na trajetória de Nara, repetindo a sina em comum de muitos pequenos empreendedores que são tragados pelas crises cíclicas da economia nacional. Nesse meio tempo, também ingressou nos cursos de Design de Interiores, no Senac, e depois no de Moda, na UFG, mas acabou desistindo de ambos por conta dos compromissos com a loja e os cuidados com a filha, Sofia, hoje com 18 anos.
Ainda na fase da Agnus Deis, Nara conheceu uma pessoa que seria fundamental para seu trabalho, Cristina Antônia, da grife Hendrix, que hoje mora na Itália, onde dirige uma pousada ao lado do marido. “Foi a Cristina que me ensinou a fazer um acabamento bem-feito”, recorda-se. Outra profissional da área que a influenciou muito é Maristela Novaes, hoje professora do curso de Moda da UFG e com doutorado na área pela Universidade de Bolonha, na Itália. Nara conheceu Maristela quando as duas trabalhavam numa confecção de moda em Goiânia, onde Nara atuou por um tempo como estilista. Com Maristela, Nara aprendeu muito sobre modelagem, em especial sobre o moulage, que é uma técnica de modelagem tridimensional que permite mais possibilidades de criação.
Contra os estereótipos e preconceitos
Nara afirma que a roupa para ela sempre foi um “lugar de libertação”. Algo com que ela pudesse confrontar os estereótipos, o machismo, os preconceitos. Por isso, ela enxerga suas criações como uma forma de expressão. Também faz questão que suas peças não sejam do tipo que “oprimem”, que requerem um sacrifício para que as pessoas caibam nelas, mas que ao contrário façam com que se sintam confortáveis e com ampla liberdade de movimentos. Talvez seja por isso que a menina sapeca que adorava bater bola na rua sempre foi fascinada pelos vestidos, que acabaram se tornando a sua marca registrada, embora Nara com o tempo tenha incorporado um mix de produtos mais variado nas suas coleções, como blusas, calças, saias e macacões. “Eu amo vestidos”, confessa.
Apesar da rejeição aos modismos, Nara está sempre conectada ao que ocorre no universo fashion. Viaja sempre a São Paulo e adora recortar revistas de moda para montar uma espécie de quadro de referências no seu ateliê de criação, para auxiliá-la no seu processo criativo. Também mantém-se atenta ao mercado em Goiânia, principalmente dos novos estilistas, entre os quais destaca talentos como Naya Violeta. Entre as influências externas, Nara aponta sua admiração pelos estilistas brasileiros Ronaldo Fraga, Jum Nakao, Adriana Barra, Clo Orozco e Fernanda Yamamoto. Dos estrangeiros, destaca o classicismo atemporal da marca Chanel e as criações mais contemporâneas da britânica Stella McCartney, do norte-americano Marc Jacobs, da grife italiana Marni e da marca BCBGMAXAZRIA, criada pelo designer de moda tunisiano Max Azria.
Ao longo de sua atuação profissional, Nara conseguiu manter uma clientela fiel. Hoje, o perfil médio da consumidora de sua loja são mulheres entre 35 e 55 anos, que “podem até comprar vez ou outra uma peça made in China”, mas rejeitam a moda massificada. Nara também atende um público mais jovem e conta que às vezes as filhas das clientes acabam levando uma peça ou outra.
Aos 47 anos e sentindo-se “em um momento especial”, a estilista considera que está numa fase “mais aquietada” e isso se reflete no seu trabalho. A estamparia colorida continua sendo seu forte, porém, ela vem combinada com tons mais básicos. “Hoje eu enxergo melhor, vejo como a influência da arquitetura é forte na minha escolha do material. As estampas estão muito mais geométricas, mais elegantes, embora eu continue gostando de muita cor. Mas eu trouxe o neutro”, define. Também incorporou os estruturados e tem investido mais no moulage nas suas coleções.
À frente de uma equipe enxuta de oito pessoas, Nara planeja novos desafios. Quer viajar mais, principalmente ao Norte e ao Nordeste, para conhecer a produção artesanal local, sobretudo os bordados, e reintroduzi-los em suas criações, algo que já fez muito antes. Também vai abrir um espaço em sua loja para exibir peças de Rita Andrade, pesquisadora de moda e professora da UFG, e pretende transformar o local em um ambiente para abrigar debates, oficinas e outros eventos relacionados à moda. Outra novidade para breve é o lançamento de uma coleção com estampas criadas pelo designer Teo Lopes.
O maior desafio é ampliar seus mercados – além de Goiânia, ela também tem compradores em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Para tanto, está investindo mais na divulgação dos seus produtos via redes sociais. É assim, entre tecidos e sonhos, que Nara vai tecendo sua trajetória na área da moda em Goiânia.
Adorei a matéria, parabéns pela trajetória Nara!
Excepcional! Suas roupas e traços dizem muito da personalidade de quem as usa. Parabéns pela linda trajetória.
Amei a reportagem! Leve e descontraida como a estilista!
Meus parabéns pelo foco em sua carreira. Sua Energia é radiante e com certeza está conectada com a Energia Universal.