A cena musical mineira perdeu um de seus mais talentosos “cantautores”. O certo seria dizer cena musical brasileira, mas Vander Lee faleceu na última sexta-feira (5) sem gozar do reconhecimento nacional que merecia.
Com apenas nove discos e um DVD, Lee se preparava para comemorar 20 anos de carreira em 2017 com o registro de um novo show (gravado no Rio de Janeiro em julho último), parcerias inéditas e o intento de voltar a se dedicar ao samba, como fez em 2012 com o álbum Sambarroco.
De formação popular, Vanderli Catarina era um sambista nato, mas vestiu suas composições de linguagem pop, de certo modo, nos passos de conterrâneos contemporâneos que ganharam projeção nacional nessa linguagem. Suas composições, porém, por vezes mal se encaixavam em arranjos pop, eram maiores do que isso.
Com a morte precoce, não deu tempo de Vander Lee angariar essa projeção devida, em que pese o grande time de gente famosa que registrou algumas de suas canções, como Elza Soares (primeiro grande nome a lhe dar atenção; Lee a tinha como madrinha), Gal Costa, Rita Ribeiro, Maria Bethânia, Elba Ramalho, Daniela Mercury e vários outros.
A maioria desses intérpretes é formada por mulheres, o que denota o apelo que as canções de Vander Lee têm no público feminino. Nos shows, eram elas que cantavam mais em alto e bom som as músicas dele. Em seu último disco, 9 (lançado no início deste ano), Vander Lee gravou em estúdio a maioria de suas músicas registradas primeiro por esses intérpretes; antes, só tinha delas registros ao vivo. Incluiu nele duas faixas inéditas (Minha Criança e Nada Por Nada). Vander Lee defende bem suas criações, mas é melhor compositor do que cantor.
Fugindo à marcada tradição harmônica da música popular mineira, brotou no seu violão singelo uma melodia pegajosa, muito radiofônica e cativante. Cronista dos bons, cantava as cores do cotidiano com uma invejável pitada de humor universal e alguma picardia marcadamente mineira, como em Chazinho com Biscoito e Galo e Cruzeiro.
Instrumentista não virtuose, sua força está na melodia natural de sua palavra, uma palavra romântica, lírica. Vander Lee fala de amor de um jeito simples, certeiro, que toca e cativa o ouvinte atento, mas toca especialmente os ouvidos femininos. Os personagens masculinos de suas músicas são sujeitos de coração aberto, sem vergonha da declamação amorosa, atacam com galanteio sincero e tratam com bom humor as suscetibilidades femininas. Nalgumas vezes, o eu lírico fala no feminino (vide Pra Ser Levada em Conta).
“A força de Vander Lee está na melodia natural de sua palavra, uma palavra romântica, lírica. Fala de amor de um jeito que cativa o ouvinte atento, especialmente os ouvidos femininos”
Artista curtido nos barzinhos desatentos de Belo Horizonte, começou neles a mostrar suas composições próprias em meio a repertórios covers de sempre nesses locais. Incursionou também por derradeiros festivais de música que insistiam em repetir, nos anos 90, um tempo que não poderia mais ser repetido. Foi num desses, em 1996, que chegou às finais de prêmio da TV Globo Minas com o reggae afro-militante Gente Não é Cor.
Vander Lee é a cara dessa música popular órfã de um modelo que ruiu na virada do milênio. Faz música de alto nível, tributária da melhor tradição cancionista do País, mas não consegue fama ampla e pena para viver de sua música. Há uma legião deles por aí. Vivem de nicho e de uma distribuição capilarizada digitalmente, mas por demais difusa e, pior, de controversos pagamentos de direitos autorais.
Ele mesmo, artífice na independência e cônscio disso, vez ou outra tinha recaídas em lamentar nunca ter entrado em novela global. Nunca participou de movimentos ou coletivos musicais, mesmo porque ergueu a carreira sozinho, raramente compôs com parceiros. Chamava músicos e produtores para discos e shows de acordo com suas afinidades eletivas.
E eram muitas. Sua morte repentina foi muito lamentada não só pelo músico que era, mas pelo cara boa-praça que era com todos, colegas de profissão, fãs e toda sorte de gente envolvida com música que já esteve algum dia com Vander Lee. Ele, de fato, tinha uma vaidade domesticada, uma raridade no meio artístico.
Clipe de lançamento do DVD Pensei Que Fosse o Céu – Ao Vivo (2006)
Link do Spotify com seleção de algumas das melhores canções de Vander Lee na visão de ERMIRA