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Foto: Reprodução
Foto: Reprodução
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Luís Araujo Pereira em Florações Professor e escritor | Publicado em 14 de fevereiro de 2017

Luís Araujo Pereira
Professor e escritor
14/02/2017 em Florações

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Cinco poemas de José Craveirinha

(Seleção de Luís Araujo Pereira)

 

[1]

Reflexões no dia

dos meus anos

Faço anos.

Quantos já não interessa.

Por uma questão de glândulas

infalivelmente na barba e nas têmporas

aos poucos e poucos envelheço.

 

Faço anos e neste dia

há sempre umas recordações interessantes

ao mesmo tempo que mudamos na aparência

e aos outros parecemos bem conservados

enfim!

Não expirado o prazo da minha ausência

no meu bairro da Munhuana

no preciso dia do meu aniversário

lá com certeza o dia amanheceu

todo assoado de nuvens.

Ah, tudo se transforma!

Eu que faço anos

e o tempo inexorável não perdoamos

aos que não acreditam em augúrios

e apesar das mil coisas tristes

os cabelos brancos embelezam-me as fontes

e as notícias nem sempre são todas más

e em segredo algumas

até me rejuvenescem intimamente.

 

Faço anos

e o bolor da saudade arroxeia-me as olheiras

e dá-me um ar de homem circunspecto

que lê Camus.

Mas ao mesmo tempo que admiro as viagens espaciais

os antibióticos

e por exemplo a televisão

ainda me embriaga a retina

um quadro de Portinari

o andar cadenciado duma mulher

um bom jogo de futebol

e um autêntico céu azul a milhafres de nada.

 

[2]

Cântico do pássaro azul

em Sharpeville

Os homens negros como eu

não pedem para nascer

nem para cantar.

Mas nascem e cantam

que a nossa voz é a voz incorruptível

dos momentos de angústia sem voz

e dos passos arrastados nas velhas machambas.

 

E se cantam e nascem

os homens magros de olheiras fundas como eu

não pediram a blasfémia

de um sol que não fosse o mesmo

para uma criança banto

e o menino africânder.

 

Mas homens somos

e com o mesmíssimo encanto magnífico

dos filhos que geramos

aqui estamos

na vontade viril de viver o canto que sabemos

e tornar também uma vida

a vida de voluntário que não pedimos

nem queremos

e odiamos na ganga africana que vestimos

e na ração de farinha que comemos.

 

E com as sementes rongas

as flores silvestres das montanhas zulos

e a dose de pólen das metralhadoras no ar de Sharpeville

um xitotonguana azul canta num braço de imbondeiro

e levanta no feitiço destes céus

a volúpia terrível do nosso voo.

 

[3]

Canto do nosso amor

sem fronteira

Estamos juntos.

e moçambicanos mãos nossas

dão-se

e olhamos a paisagem e sorrimos.

 

Não sabemos de áreas de esterlino

de câmbios

vistos de fronteira

zonas do marco e do dólar

portagem do Limpopo

canais de Suez e do Panamá.

 

Amamo-nos hoje numa praia das Honduras

estamos amanhã sob o céu azul da Birmânia

e na madrugada do dia dos teus anos

despertamos nos braços um do outro

baloiçando na rede da nossa casa na Nicarágua.

 

Ou

com os olhos incendiados

nos poentes do Mediterrâneo

recordamos as noites mornas da praia da Polana

e a beijos sorvo a tua boca no Senegal

e depois tingimos mutuamente

os lábios com as negras amoras de Jerusalém

ambos entristecidos ao galope dos pés humanos

sem ferraduras mas puxando riquexós

só de ver puxar nós também puxamos

nas transpiradas ruelas antigas

da ilha de Moçambique.

 

Oh, beijemo-nos, amor

teus cabelos sussurrantes

na esplêndida nudez morena do meu peito

que são nossos os céus sulcados de xiricos e aviões

e nossos irmãos os povos dos outros paralelos

até mesmo os pobres “boers” solitários

na cruzada de amor em que me abraças numa rua

principal da cidade de Pretória descontraidamente

como se fosse no bairro de Xipamanine.

 

Mas bem no fundo das almas

e dos corpos tatuados de esperança

o clítoris das montanhas nos sexos das nuvens

pátria do nosso desespero mais desesperado

pátria dos pés descalços na brancura do algodão

pátria de beijos e promessas de mais beijos

é o nosso genuíno grito mais gritado

a levantar no cosmos a beleza do nome

não renegável de Moçambique!

 

[4]

Latitude zero

E a nossa casa, Mãe

nosso lar de velhas paredes de caniço

já não está lá

no lugar onde o pai do pai do teu pai

ao sol e à chuva

em doze luas de trabalho

a construiu.

 

E no sítio da tua sepultura, Mãe

debaixo das mafurreiras de frutos de ouro

onde a bebida fermentava a missa de cocuana Matsinhe

pesam os muros de cimento

que o senhor das terras levantou

ao abrigo da lei da concessão de terrenos vagos

onde não existe ninguém

e só vivem negros

mulatinhos e negras.

 

Dentro das coordenadas geográficas

registadas numa planta do cadastro da circunscrição

dormes o teu sono perpétuo, Mãe

ao som das blasfémias que não chegaste a ouvir

mas gostarias de ouvir também contra eles

e quererias também sentir contra eles minha Mãe.

E hoje que a nossa casa de paredes de caniço

e os trinta e cinco pés de mandioca

foram esmagados pelas lagartas de aço

do monstro Caterpillar do senhor concessionário

o secular desespero

planta milho que não nasce

e mapira que não cresce mas dói

na latitude zero do talhão de pedras e cobras

da reserva indígena onde moram blasfemos

nós os negros, os mulatinhos

e as negras.

 

[5]

A cadeira

Ajeito na velha mesa a toalha aos quadradinhos.

Ponho-me os pratos, os talheres e um copo.

Eu mesmo me estendo a travessa do arroz.

Levanto-me por causa da garrafa de água.

Torno a levantar-me em busca de um garfo.

 

Solitários cotovelos fincados na mesa

nos punhos contraídos apoio o mento.

Entretanto, de mim vai-se esquecendo o almoço.

 

Engulo um nó de saliva. É insulso o jejum.

Em outro lado dos quadradinhos da toalha

completamente desprovida de sentido

observa-me compassiva

uma cadeira vazia.

………………………………………………………………..

Pela terceira vez me levanto.

Mas onde é que está o raio do saleiro?

 

Glossário

Cocuana: Velho. Avô. Termo respeitoso para com todo ancião indistintamente do sexo.

Imbondeiro: Nome comum dado a várias espécies de árvore do gênero Adansonia. Baobá. Árvore sagrada.

Machamba: Plantação para onde ia a mão de obra forçada.

Mafurreira: Árvore meliácea de cujos frutos se extrai o óleo chamado “mafurra”.

Mapira: Grão de sorgo ou de milho fino ou miúdo.

Xitotonguana: Passarinho saltitante.

Sharpeville: Lugar da África do Sul onde em 20 de março de 1960 ocorreu uma repressão sangrenta aos trabalhadores negros das minas.

 

Perfil

José João Craveirinha nasceu em Maputo, em 28 de maio de 1922, e morreu na mesma cidade, em 6 de fevereiro de 2003. Foi jornalista, poeta e cronista. É o principal nome da poesia de Moçambique, ao lado de Rui de Noronha, Kalungano (Marcelino dos Santos), Sérgio Vieira, Orlando Mendes, Rui Nogar, Sebastião Alba e  Noémia de Sousa, entre outros autores. Viveu a saga da resistência ao colonialismo português e participou ativamente do Movimento da Negritude. Atuou na Associação Africana, onde desempenhou atividades de natureza política. A resistência ao colonialismo e a sua participação nas ações da Frelimo motivaram a sua prisão, em 1965, pela polícia política portuguesa; julgado e condenado, cumpriu pena até 1969. Recebeu inúmeros e importantes prêmios, entre os quais se destaca o Prêmio Camões, em 1991. A Universidade Eduardo Mondlane concedeu-lhe, em 2002, o grau de Doutor Honoris Causa e, como parte da homenagem, lançou na ocasião a sua Obra Poética, com a inserção de vários poemas inéditos. Foi o primeiro presidente da Assembleia-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos. Foi também presidente da Assembleia-Geral da Associação Moçambicana de Língua Portuguesa. Escreveu os seguintes livros de poemas: Xigubo (1964), Karingana ua Karingana (1974), Maria (1980), Babalaze das Hienas (1997) e Poemas da Prisão (2003). Com Craveirinha, surge pela primeira vez a afirmação nacionalista. Além de expressar o universal, a sua riqueza poética incorpora elementos do cotidiano, os afetos, os laços familiares, a luta anticolonial, a simplicidade das coisas e, sobretudo, a sua devoção a Moçambique. Deixou muitos poemas inéditos e dispersos. Para uma leitura detalhada sobre o contexto histórico, sociopolítico e literário em que viveu José Craveirinha, o livro de Manoel de Souza e Silva, Do Alheio ao Próprio: A Poesia em Moçambique (Editora da Universidade de São Paulo, Editora da UFG, 1996), oferece um rico e bem exposto panorama que inclui análise de três décadas de produção cultural.

Tag's: colonialismo, Movimento da Negritude, poesia, poesia africana, poesia moçambicana

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Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.

4 comentários em “Cinco poemas de José Craveirinha”

  1. Dairan da Silva Lima disse:
    14 de fevereiro de 2017 às 19:38

    Adorei! Não conhecia o poeta. Gostei especialmente do último poema A Cadeira.

    Responder
  2. silvia lucia bigonjal braggio disse:
    15 de fevereiro de 2017 às 00:58

    Belíssimo. O da Mãe é doído. O da Cadeira também. Muito grata por essa postagem.

    Responder
  3. Luís Araújo Pereira disse:
    16 de fevereiro de 2017 às 20:31

    Queridas Dairan e Silvia, agradeço os comentários. Abraços

    Responder
  4. ronikley lopes salgado disse:
    26 de maio de 2022 às 09:44

    OH!! QUE BELO POEMA DE JOSÉ CRAVEIRINHA: AFORISMO “havia uma formiga compartilhando comigo o isolamento e comendo juntos. Estávamos iguais com duas diferenças não era interrogadas e por descuído podiam pisá-la mas aos dois intencionalmente podiam pôr-nos rastos mas não podiam ajoelhar-nos.

    Responder

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