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Imagem: Serigrafia da série Metrópolis (ZéCésar, 2010)
Imagem: Serigrafia da série Metrópolis (ZéCésar, 2010)
Imagem: Serigrafia da série Metrópolis (ZéCésar, 2010)

Luís Araujo Pereira em Espirais Professor e escritor | Publicado em 28 de julho de 2019

Luís Araujo Pereira
Professor e escritor
28/07/2019 em Espirais

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Lá fora

O Homem conhecia aquela chuva. Há muito tempo, ele a esperava. Os pingos no telhado traziam-lhe inquietação e tremores. Lá fora, trilhas, matos, arbustos e árvores eram lambidos pela água. Ele sabia que bátegas caíam em desalinho, derramando-se em profusão sobre os casebres adormecidos  ̶  e que depois ela iria embora e tudo voltaria à calma de antes, um desejo que era só um assombro em seu espírito.

Agora ventava, um vento repentino. Chuva e vento, uma combinação grandiosa. Duas fúrias despejando sobre os viventes o pânico. As árvores agitavam-se misturando o farfalhar de suas ramas com o baque da água. E, por um instante, por um instante apenas, um raio riscou a noite  ̶  ele viu o clarão através das frestas  ̶  para, posteriormente, um trovão explodir o escuro adentro, o seu ribombo ecoando na imensidão da noite. Aí, em seguida, a chuva arrefeceu-se, o seu ímpeto destrutivo serenou-se, parecendo mais domesticada, como se fosse uma cantilena antiga acalentando os que ainda conseguiam dormir. Mas essa impressão demorou só um instante porque depois ela retomou o ímpeto voraz.

O Homem não podia evitar as lembranças que a chuva evocava. Nenhuma saudade, nenhum remorso, dor ou exasperação. Ele se sentia como se, no seu passado, tivesse apenas o vazio. Era a chuva que lhe causava essa sensação, e ele a bendizia e a amaldiçoava ao mesmo tempo. Detestava-a no seu rude sentimento, na sua emoção pouco elaborada de indivíduo que sofrera e lutara em vão.

Essa chuva fazia-o retornar à sua primeira experiência naquela terra bruta. Lembrava-se, agora como uma névoa, do dia em que perdera a mulher, os filhos, os animais, a alegria  ̶  tudo, enfim, se fora de uma vez em outra chuva de antanho, tudo arrastado pelas torrentes furiosas. Até hoje, estava perdido, sem saber onde encontrar repouso para a sua cabeça atormentada. Depois dessa desdita atroz, acostumara-se à miséria, à fome, às dificuldades e às doenças, como se fossem o Destino cego que o guiasse.

A terra sempre vencia. Só não caíam os fortes e os persistentes. Mas ele nunca fora uma pessoa tenaz. Por isso mesmo, sucumbira. Dos seus melhores anos tinha como restos a pele rugosa, os ossos à mostra, despojados sobre a cama mesquinha, e as imagens que se desvaneciam pouco a pouco, confundindo-o. Sobraram também a sua ruína e o incômodo pelo fracasso, como uma dispepsia para a qual não havia remédio. Vivera inutilmente? Não saberia responder, mesmo se tentasse. Emaranhavam-se no seu cérebro o que fora ganho e o que fora perdido. Mais perdas do que ganhos, numa conta simples. Aquele ali, sob o aguaceiro, era ele, vencido e humilhado pela natureza, que, inflexível, respeitava apenas os fortes.

Somente a chuva poderia esclarecer a sua ignorância e ajudá-lo a compreender os anos destruídos. Não obstante, esta se conservava muda, derramando-se inteira, caindo insidiosa sobre o negrume lá fora, sem nenhum poder de comunicação ou revelação. Era só uma chuva que caía. Mais uma em sua vida.

O vento forçou a taramela. E novo trovão estremeceu mais uma vez a noite.

Tinha vontade de sair para abraçá-la e ser por ela redimido. Queria lavar os enganos de sua existência e esperava que as vísceras daquela terra, que abrigava os seus entes queridos, fossem também lavadas. Seria bom ver tudo limpo e renovado. Mas valeria a pena? Qual seria a sua compensação? Mais tarde, tudo voltaria a ser como antes  ̶  como sempre fora e como sempre seria. Não se daria ao esforço de levantar-se e comprazer-se com aquele mundo feito de fúria e água que vinha buscá-lo.

E, como se a chuva o acalentasse, como que de fato lavando-o e limpando-o de suas dores, adormeceu, com uma inesperada sensação de alívio, o sono dos que não acordam mais  ̶  o longo sonho da eternidade.

Lá fora, de quando em quando, os relâmpagos acendiam o cristal das gotas que pousavam delicadamente sobre as folhas.

Tag's: chuva, crônica, fome, literatura, Luís Araujo Pereira

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