[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
taipografia
para Alejandra Pizarnik
há quem faça a casa no cangote
quem erija castelos no nada
quem nem construir não prefira
e habite o lado de fora da casa
a inscrever o corpo nas alcantarillas
entre tantos esquecimentos e bosques encontrei até quem
usurpasse à deusa sua árvore para redigir epitáfios
que ajudassem a não pedir guarida
***
[2]
fadiga
luz calor e dengue
pulso sem veia
piche fumegante
chiclete café e redondilhas
se eu cerrar os olhos
se os abrir na mesma hora
a hora lesma se move
eu mesma a esmo
dentro da casca que em mim dorme
o sol derrete enigmas
moleiras
mamonas
certezas
no sol de todo dia
a claridade intensa me comove
dissolve fadiga
***
[3]
mamulengo
tem a cabeça de papel machê e os membros desarticulados
é para quem o mundo e nada
um picadeiro torpe, bambo e provisório
acordes movem por um fio
o coração indisposto de boneco enfadado
se trocasse de nome, nunca mais fosse raimundo?
se ouvisse a lira: mundo, mundo vasto mundo?
o palco não abriga tantas inconstâncias
a dança não é mais uma solução
seja ele o mesmo em seu degredo
mude o cenário, fique o mamulengo
o mesmo o outro um vão
***
[4]
casa de água
por aí por leituras galáctico-
-subterrâneas descobri: preciso
de uma casa de água para
um coração em chamas
***
[5]
irreversível
ao nascer, arrancou de mim
quem engendrava
tenho pulmões imaturos
esgoelo para dentro
o desejo ínvio de voltar a casa
Perfil
Fernanda Marra nasceu em 7 de dezembro de 1981, em Goiânia. É mestre em Letras e Linguística (UFG) e estuda a obra poética da poeta argentina Alejandra Pizarnik no doutorado em Teoria Literária (UnB). Escreve poemas desde criança e publicou na adolescência o seu primeiro livro, Voo livre. Entre 2008 e 2015, manteve blog destinado à postagem de sua escrita. Tem poemas publicados na revista literária Escamandro. O livro taipografia saiu pela martelo casa editorial em 2019, reunindo poemas do blog e parte da produção mais recente da autora. Está no prelo furonofluxo, que será lançado em breve pela mesma editora.
Não conhecia. Gostei muito.
Fernanda, sua lírica en/canta. Quem a ouve/lê embarca para dentro. Viaja infinito. Sobe e desce pelas ondulações dos versos. Atinge, por isso, o topo da poesia: “a hora lesma se move/eu mesma a esmo/dentro da casca que em mim dorme”.
Que recurso poético primoroso esse entrançado ritmico de “e” é “m”.
No fim, o eu-leitor sai mesmo gratificado!