• Sobre Ermira
  • Colunas
    • Aboios
    • Arlequim
    • Arranca-toco
    • Chapadão
    • Chispas
    • Dedo de prosa
    • Errâncias
    • Especial
    • Espirais
    • Florações
    • Margem
    • Maria faz angu
    • Matutações
    • Miradas
    • Mulherzinhas
    • No Goiás
    • NoNaDa
    • Pomar
    • Rupestre
    • Tabelinha
    • Terra do sol
    • Veredas
  • Contribua
  • Colunistas
  • Contato
  • Instagram
  • Facebook
  • YouTube
  • Twitter

ERMIRA

  • Instagram
  • Facebook
  • YouTube
  • Twitter
  • Sobre Ermira
  • Colunas
    • Aboios
    • Arlequim
    • Arranca-toco
    • Chapadão
    • Chispas
    • Dedo de prosa
    • Errâncias
    • Especial
    • Espirais
    • Florações
    • Margem
    • Maria faz angu
    • Matutações
    • Miradas
    • Mulherzinhas
    • No Goiás
    • NoNaDa
    • Pomar
    • Rupestre
    • Tabelinha
    • Terra do sol
    • Veredas
  • Contribua
  • Colunistas
  • Contato
Imagem: pintura rupestre de Lascaux II
Imagem: pintura rupestre de Lascaux II
Imagem: pintura rupestre de Lascaux II

Luís Araujo Pereira em Espirais Professor e escritor | Publicado em 6 de dezembro de 2020

Luís Araujo Pereira
Professor e escritor
06/12/2020 em Espirais

  • Compartilhar no Twitter
  • Compartilhar no Facebook
  • Compartilhar no Google +
  • Compartilhar no WhatsApp
← Voltar

Pangaré

Era obrigado a percorrer longas distâncias a pé porque nem sempre tinha dinheiro para o ônibus. Contudo, alentava uma fantasia secreta: “Se a indústria automobilística soubesse quem  sou eu, contrataria o melhor piloto de testes” – delirava, numa dessas caminhadas para o trabalho, uma Ferrari cintilando na cabeça.

Como não tinha recursos, e a sua vida estava detonada, decidiu recorrer ao sobrenatural. No dia em que foi levado ao terreiro, passou a vibrar positivamente o seu desejo e a soletrar com fé a palavra “carro”. A simbiose com o mundo dos espíritos era uma chance de triunfo, talvez de grande prêmio. Diante da mãe de santo, revelou as suas perturbações e o futuro que pressentia.

“Seu carma tá pesado, meu filho, mas a Rainha vai dar um jeito.”

Na sexta-feira, num cemitério distante e deserto, acompanhada de alguns cambonos, a mãe de santo iria receber a pomba-gira mais doida da umbanda.

“É com essa entidade que você vai”  – dissera antes da incorporação.

O cavalo contorceu-se, sacudindo o corpo, num balé convulsivo e extravagante.

Num instante, a médium transformou-se: sob o efeito do transe, não era uma mulher que estava ali, mas um ser amplo, que ora tinha os gingados dos malandros, ora o manejo afetado dos travestis, ora o encanto singular da dançarina. Ela girava com a mão na cintura, dando passos graciosos segundo uma musicalidade interior que cadenciava o seu molejo erótico e pantomímico.

“Pra que tu me chamou, desgraça?” – perguntou Maria Padilha, um marafo sendo entregue-lhe rapidamente. Resmungando e andando em círculos, a mão esquerda apoiada na cintura, tomou um grande gole.

Com receio da pomba-gira, ele gaguejou, quase fraquejando:

“Sacomé, minha santa? Tô precisando de um carrão…”

A pomba-gira gargalhou escandalosamente, ridicularizando o pedido.

“Pra que tu quer um andador? Os casco são teu, miséria!” – e continuou o deboche, entre rosnados e goles longos de cachaça.

Um dos cambonos acendeu uma vela que o vento tinha apagado.

“Eu vou ajudar tu, desgraça, mas tu vai fazer o que eu pedir.”

Por influência ou não daquela feitiçaria, o fato é que, um mês depois, ele ganhou num sorteio um carro novinho em folha e decidiu amaciar o motor na rodovia, antes de vendê-lo. Testando a potência na pista plana, explorando o câmbio aveludado, era uma máquina que respondia à sua sede de velocidade, a paisagem passando rapidamente pelos lados.

Quando estava a 150 quilômetros, surgiu inesperadamente um pangaré na sua faixa de rolamento. Para não atropelar o animal, girou o volante para a direita, tentando alcançar o acostamento – manobra inútil porque as rodas, nesse momento, desprenderam-se do asfalto, o carro rodopiou e, imediatamente, começou a capotar inúmeras vezes, terminando por fim arrebentado no tronco de uma árvore. Com o estardalhaço, o cavalo, assustado, retornou aos pinotes para o matagal, de onde tinha surgido inesperadamente.

Bem mais tarde, os homens da polícia rodoviária chegaram ao local. O corpo do motorista jazia num canto, ao lado de uma touceira, todo retorcido, à espera de remoção.

“O que eu coloco no relatório como causa do acidente?” – indagou o sargento.

Esfregando o lenço no Ray-Ban, o oficial respondeu, um músculo de ironia pulsando imperceptível no rosto.

“Complexo de Barrichello.” Com uma risadinha perversa, completou: “A punheta desses meninos é a Fórmula l”.

Não muito longe, o rocinante suspendeu a cabeça e olhou desinteressado para o movimento de carros e pessoas. Como se a vida fosse veículos circulando nas duas direções todos os dias – e o capim tenro, que estava afinal por toda parte, suculento e farto, servisse apenas para uma boa refeição nos dois lados da via –, abaixou mais uma vez a cabeça e continuou se fartando naquele mar de verde, indiferente aos infortúnios dos motoristas que passavam, indo e vindo, pela estrada sem fim.

Tag's: conto, literatura, literatura goiana, Luís Araujo Pereira, narrativa curta

  • A arte musical do bate-papo

    por Roberto Mello em Aboios

  • O existencialismo é um platonismo: ensaio em homenagem a Gerd Bornheim (1929-2002)

    por Vítor H. R. Costa em Matutações

  • Aquele estranho dia que nunca chega

    por Rogério Borges em Margem

  • Compartilhar no Twitter
  • Compartilhar no Facebook
  • Compartilhar no Google +
  • Compartilhar no WhatsApp

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.

Deixe um comentário (cancelar resposta)

O seu endereço de e-mail não será publicado. Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

ERMIRA
  • Instagram
  • Facebook
  • YouTube
  • Twitter