Quando um livro pode ser considerado um “clássico”? E por que razão devemos nos esforçar para lê-lo? Numa coletânea de ensaios denominada Por Que Ler os Clássicos, o escritor Italo Calvino (1923-1985) tenta responder a essas perguntas, já apresentando, na introdução do volume, uma primeira definição do que seria uma obra que se encaixasse nessa categoria: “Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: ‘Estou relendo’ e nunca ‘Estou lendo’”.
Mas o próprio Calvino emenda em seguida que essa afirmação, com certa frequência, não passa de uma pequena hipocrisia por parte de quem que se envergonha em admitir que ainda não havia lido, até aquele momento, um determinado livro famoso – o que, na verdade, não deveria ser motivo de constrangimento para ninguém. Afinal, a existência humana é curta para dar conta de percorrer todas as páginas da imensa quantidade de obras incluídas no cânone da nossa cultura – para ficar apenas no Ocidente.
Calvino usa o verbo “reler” para falar da experiência de ler os clássicos porque essas obras, mesmo que ainda inéditas para nós, estão entranhadas nas dobras de nossa memória, no nosso inconsciente coletivo. É por isso que a leitura de um clássico costuma nos causar uma sensação de familiaridade, como se ele nos dissesse algo que já sabíamos desde sempre. Em contrapartida, a releitura deste mesmo clássico nunca nos deixa de surpreender, revelando aspectos completamente inusitados e inesperados, que não havíamos percebido no primeiro contato com a obra – porque um clássico, acima de tudo, conforme salienta Calvino, é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha de dizer.
Nesta época em que vivemos, submetidos a um verdadeiro bombardeio de informações, dedicar algumas horas para ler Guerra e Paz, de Tolstói, ou Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, parece ser uma atitude que entra em choque com nosso ritmo de vida. De fato, como afirma Calvino, a leitura de um clássico requer um tempo alongado, o respiro do “ócio” humanista – uma disposição em frontal oposição à velocidade alucinante do mundo atual. Porém, são justamente esses textos perenes que nos ajudam a compreender, reitera ele, este mesmo mundo, em outras palavras, quem somos e aonde chegamos.
Para os que não conseguem, no entanto, se libertar da mentalidade utilitária, quem em tudo procura uma “serventia”, Calvino avisa que nunca teve a intenção de garantir que a leitura dos clássicos “serve” para alguma coisa. “A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos”, diz ele. E se alguém objetar, completa, que não vale a pena tanto esforço para algo que não apresente assim nada de muito concreto, o autor cita uma passagem da vida de Sócrates recriada por Cioran: “Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. ‘Para que lhe servirá?’, perguntaram-lhe. ‘Para aprender esta ária antes de morrer’.”
Muito bonito Rosângela. O sentido está na vida, no fazer, na própria obra, não é utilitário, é de outra ordem. É essa nossa sina, dar sentido, não utilidade. Pra gente transcender, sonhar, desejar. Vamos com os clássicos.
Super recomendo