[Coautor: Vítor Hugo dos Reis Costa[1]]
Neste último semestre, meus colegas e eu estudamos em sala de aula sobre a escola literária do romantismo, caracterizada principalmente pela idealização da realidade, das relações amorosas e pela priorização do sentimentalismo individual humano, muito popular durante o século XIX. Uma das atividades propostas foi a produção de um conto que fosse inspirado na escola romântica e que pudesse, de alguma maneira, representar a sociedade atual. A maior dificuldade que tive ao começar a escrever o conto foi traçar alguma relação entre o romantismo do século XIX e a sociedade atual. Os escritores românticos retratavam o mundo de forma muito particular, especialmente quando se falava de amor. Para estes escritores, o amor era sempre algo da ordem do impossível.
Na literatura romântica é comum que a paixão das personagens seja forte e intensa, emerja com extrema rapidez e se torne o objetivo central da vida. As mulheres amadas são retratadas como perfeitas, a vida nobre como abundante, e nenhum problema social à vista. Como não se apaixonar com um clima tão propício para isso? Mas, nas narrativas românticas, sempre há algum empecilho, algo que mantém o amor apenas no plano ideal, sem a possibilidade de se concretizar. Assim, da mesma forma que surge a paixão, surgem também a angústia e um sofrimento tão intenso quanto ela, pois, seja o amor correspondido ou não, no fim das narrativas algum obstáculo se impõe e, por alguma razão, já não se pode estar com a pessoa amada. No romantismo, muitas vezes, o refúgio possível para a angústia, diante da impossibilidade do amor, é morrer ou se entregar à loucura.
Seria possível que uma sociedade real realizasse as idealizações presentes no romantismo? Até que ponto a nossa sociedade atual poderia realizar um novo romantismo? Teria ele sido forte na sua época e se perdido com o passar do tempo?
O estilo de vida ao qual hoje estamos expostos tem, de forma geral, como uma de suas características mais intrínsecas a busca pelo ideal. O que a mídia diz ser ideal passa a ser procurado por todos, seja o corpo ideal, a carreira ideal, seja o melhor carro, casa ou aparelho de celular. Ideal e frequentemente impossível. Por toda parte surgem receitas milagrosas (e mentirosas) como “fique rico em uma semana” ou “perca peso em três dias”. Os que não buscam o ideal são considerados irracionais e os que não o possuem são colocados à margem. Ora, o ideal é inalcançável desde o século XIX. Porém, diferentemente do que se passava no século XIX, hoje o ideal parece ser muito menos relacionado a histórias de amor impossível, mas à posse – e exibição social – de determinadas características.
Os conceitos do que é ideal, ou não, mudam constantemente, especialmente com o avanço da tecnologia. As mídias sociais são os maiores meios de disseminação de ideais presentes no nosso cotidiano. A mudança acontece cada vez mais aceleradamente, de um dia para o outro novos ideais são estabelecidos, alterados ou eliminados, na mesma velocidade de um olhar que causaria mais uma tragédia romântica do romantismo. A busca em massa pelo ideal é a tragédia do romantismo atual.
Apesar de tudo, existe uma razão para buscarmos constantemente o ideal: a inspiração. Vivemos em um mundo complicado, cheio de problemas e insatisfações, o ideal acaba se tornando um “respiro” em meio a tantas coisas desagradáveis. Romantizar ou idealizar algo é, muitas vezes, o que nos motiva e inspira a continuar. Um ideal pode não ser totalmente prejudicial, quando é percebido como um incentivo, um bom estímulo em relação a nossa rotina. Neste sentido, o ideal chega a ser até necessário para nós. Não podemos acabar com todos os ideais, precisamos mudar nossa percepção em relação a eles.
[1] Realiza pós-doutorado (CNPq/FAPERJ) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor, mestre e graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O artigo é o nono texto da sexta edição do Projeto Ensaios, um projeto de divulgação filosófica coordenado pelo professor Weiny César Freitas Pinto, do curso de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com o site Ermira Cultura, que visa colocar em diálogo a produção acadêmica com a opinião pública por meio da publicação de ensaios. Confira os outros textos publicados:
- Um enredo entre arte e filosofia, entrevista de Natasha Garcia com o filósofo e artista Thiago Moura, disponível em: http://ermiracultura.com.br/2023/08/26/um-enredo-entre-arte-e-filosofia/.
- A situação da filosofia no mundo contemporâneo, segundo Badiou, de Luiggi de Barros Cestari e Pedro H. C. Silva, disponível em: http://ermiracultura.com.br/2023/09/02/__trashed/.
- Amor, na falta e como negatividade, de Gabriel Pinheiro e Jonathan Postaue Marques, disponível em: http://ermiracultura.com.br/2023/09/09/amor-na-falta-e-como-negatividade/
- A filosofia experimental e a teologia na gênese da química moderna, de Lucas Mateus Barreiro Goes, David Monteiro de Souza Júnior e Jonathan Postaue Marques, disponível em: http://ermiracultura.com.br/2023/09/16/a-filosofia-experimental-e-a-teologia-na-genese-da-quimica-moderna/.
- O deslocamento da contemporaneidade, de Davi Molina e Pedro H. C. Silva, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/09/23/o-deslocamento-da-contemporaneidade/.
- Freud explica a influência da psicanálise no Brasil?, de Camila Polese de Oliveira, Lucas Giovani Novato Hernandez e Jonathan Postaue Marques, disponível em: http://ermiracultura.com.br/2023/09/30/freud-explica-a-influencia-da-psicanalise-no-brasil/.
- A marcha da filosofia e o contemporâneo, de Raphael Vicente da Rosa, Vinicius de Matos Meneguzzi e Pedro H. C. Silva, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/10/07/a-marcha-da-filosofia-e-o-contemporaneo/.
- Filosofia da psicanálise: um efeito da interlocução entre a filosofia e a psicanálise, de Cecília Castro Gomes e Pedro H. C. Silva, disponível em http://ermiracultura.com.br/2023/10/14/filosofia-da-psicanalise-um-efeito-da-interlocucao-entre-a-filosofia-e-a-psicanalise/.
Artigos muito bons e fáceis de entender, até para quem é leigo no assunto!