Fundado em 2009 na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás pelo professor Jamesson Buarque e por estudantes dos cursos de Português e de Estudos Literários, o grupo Corpo de Voz comemora 15 anos de existência este ano. Dedicado à performance vocal e à leitura dramática de poesia, o grupo passou por diversas formações desde a sua criação, mas sempre sob a direção de Jamesson, apresentando espetáculos e ministrando oficinas em escolas públicas e em outros espaços culturais de Goiás. Em 2020, durante a pandemia de Covid-19, o grupo promoveu o projeto #CORPO40TENA, disponível no YouTube, no Instagram e no Facebook (perfil @corpodevoz), que reuniu vídeos com leituras de poemas realizadas por mais de uma centena de poetas de todo o Brasil. Atualmente, o grupo tem se dedicado à apresentação de novos espetáculos, como Livro das Águas e Livro do Fim do Mundo (confira a agenda de apresentações abaixo).
Diretor da Faculdade de Letras da UFG e pesquisador, Jamesson Buarque, recifense radicado em Goiânia desde 2001, é também poeta, com vários livros publicados, entre eles outra troia (artepaubrasil, 2010, Bolsa Funarte, 2008), Meditações (martelo casa editorial, 2015), À Moda de 22, com Thaise Monteiro (Patuá, 2021, Prêmio Minc, 2018) e Coisas que máquinas não podem fazer, com Tarsilla Couto de Brito (Caravana, 2021). Também teve contos publicados em duas coletâneas, Cidade sombria (MMARTE, 2018) e Cidade infundada (martelo casa editorial, 2022). Em 2014, recebeu o Prêmio Leodegária de Jesus, da Academia Goiana de Letras, pelo conjunto da obra, e em 2017, o Tributo ao Poeta, da Biblioteca Nacional, em Brasília. Tem se dedicado ainda a ministrar oficinas de escrita criativa (conto e poema) pelo Centro de Apoio e Formação Linguística e Literária Maria Firmina dos Reis, fundado em 2019. Confira a seguir a entrevista que ele concedeu, por e-mail, a Ermira Cultura sobre o projeto do Corpo de Voz e o trabalho do grupo com a vocalização e a divulgação da poesia.
O projeto Corpo de Voz completa 15 anos neste 2024. Como surgiu a ideia?
Desde que eu conheci o trabalho do professor Hélder Pinheiro em 2007 quanto à orientação de estudantes de estágio de Letras da Universidade Federal de Campina Grande, incluindo que cursei duas oficinas dele, ocorreu-me sobre fazer algo semelhante. Uma vez em Goiânia, comecei a ministrar oficinas para estudantes de estágio de Português na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás em 2008. Em 2009, estudantes da turma de 2008 me procuraram para manter as oficinas. De tanto eu falar sobre unir o corpo à voz, o pessoal do grupo inicial começou a comentar que fazia “corpo de voz”, e assim o grupo passou a ter nome.
Qual é o critério de seleção dos autores e autoras do repertório?
A princípio, a seleção tinha motivos como “poesia para a infância”, “poemas modernistas e contemporâneos”, “poemas de autorias pouco conhecidas do Brasil”, “poesia goiana”. Posteriormente, devido a uma demanda do Iphan, fiz uma seleção de “poesia da memória do povo e do patrimônio público”. Isso me levou a considerar a compor coletâneas temáticas. Assim, fiz a coletânea “poesia de testemunho”. Fui mantendo algum tema, como “resistência”, “cotidiano”, “pátria”, mesclando mulheres e homens poetas. O princípio de ordem temática com poetas mulheres, homens e mais, incluindo poetas da negritude e indígenas, permaneceu. A escolha sempre se deu a partir de meu repertório e por pesquisa que faço sobre o tema, buscando descobrir mais poetas e, logo, mais poemas. Agora não faço sozinho. O Corpo de Voz tem uma equipe de curadoria, formada por Eugênia Fraietta, Helissa Oliveira, Tarsilla Couto de Brito e Tom Jr., que fez o Livro Corpo de Voz, apresentado em 26 de abril, com poemas de integrantes do grupo e poetas convidadas(os). Pelo mesmo princípio, com Tarsilla Couto de Brito, preparei o Livro do Fim do Mundo, a ser apresentado em 20 de junho.
Na tradição clássica, a poesia era cantada, às vezes acompanhada de uma lira. Para o público contemporâneo, o contato com a poesia se dá mais pela leitura. Como você define esse trabalho de vocalização? É uma tentativa de se reconectar com essa tradição?
Desde as antiguidades de diversos povos, a poesia nunca deixou de ser cantada com variação de instrumento musical. As guildas do século XIV ao XVI, assim como as agremiações do século XVII e do XVIII, apresentavam poemas pela voz a um público. Embora a partir de meados do século XIX a poesia tenha de mais a mais passado para a circulação impressa, até essa circulação se tornar paralela à circulação digital, a vocalização nunca deixou de ser mantida. A poesia de tradições populares de mundo afora, como a poesia popular nordestina, até então apresenta poemas vocalizados. Desde 1991, o Festival de Poesia de Medellín, na Colômbia, mantém apresentação vocalizada de poemas do mundo todo. Anteriormente, o Harlem Renaissance, nos EUA, na década de 1920, fazia o mesmo com a poesia da negritude. Mais anteriormente, no século XIX, havia os salões de recitais de poesia. E são inúmeras as práticas de sarau de mundo afora desde o início do século XX. Logo, na verdade, o trabalho do Corpo de Voz tem conexão com modos de vocalização de poemas que sempre existiram. O que acontece é que o Corpo de Voz faz suas apresentações lendo poemas de modo a peformar corpo e voz mediante um procedimento parente da leitura dramática.
Segundo a sua experiência, qual é a diferença entre o poema lido e o poema falado?
A leitura tende a ser silenciosa e individual. Em situação de partilha, como um debate, um poema escrito é comumente levado à voz. Logo, o poema lido não deixa de ser um poema que pode ser vocalizado (ou falado). De diferente, uma vez vocalizado, é possível escutar ritmos, melodias, notar harmonias de um poema, mas também a vocalização convida a uma leitura mais detida, pois é realizada por alguém para uma pessoa ou, como é mais comum, para um público, e somente mediante uma compreensão mais detida do poema é possível torná-lo inteligível para um público. Isso tem a ver com a recepção que se faz de poemas e com percepções que deles se pretende transmitir juntamente com os sentidos sugeridos. Em geral, muda que entre ler (em silêncio) e vocalizar se dá a transmissão de uma recepção, que envolve a partilha de uma interpretação. Isso pode levar mais pessoas a lerem poemas.
Como poeta e pesquisador, qual é a sua avaliação da poesia brasileira contemporânea e, em particular, daquela produzida em Goiás? Quais autores e autoras você destacaria?
A poesia brasileira, ou outras, na contemporaneidade é algo vastíssimo, afinal, as condições de produzir poesia se ampliaram com a extensão da educação formal, com o advento e paulatina popularização de tecnologias digitais e também de impressão, casos que tornaram a vontade de produzir poemas mais capaz de realização. Hoje mais pessoas podem escrever e podem circular poemas a custos mais baixos. No Brasil, esse movimento se dá a partir da Geração Mimeógrafo, na década de 1970, que se expande e forma a Geração Zine, na década de 1980, gerações que devido ao barateamento da reprografia a partir de meados da década de 1990, período coincidente com o início da extensão da educação formal no Brasil, geraram condições de mais pessoas se envolverem com a vontade de produzir poesia. Isso tudo nos traz à poesia mais recente, do século XXI, em que diversos nichos historicamente alijados da escrita e da leitura encontraram como dizer de si, dizer de sua experiência do vivido, dizer de seu acúmulo de leitura, bem como produzir suas predileções, e logo, suas referências. Assim acontece uma poesia de forte registro identitário, com ênfase em “quem sou” e “para quem falo”. Nisso, menos vínculo com formas de composição década a década legadas de meados do século XIX ao longo do século XX até o curso da década de 1960 são próprios da poesia recente em muitíssimos casos. A poesia produzida em Goiás acompanha essa dinâmica brasileira, que é muito parente da dinâmica ocidental. Em Goiás, mais recentemente, destaco Tarsilla Couto de Brito, Thaise Monteiro, Mazinho Souza, Wilton Cardoso, Wesley Peres, Dheyne de Souza, Beta Reis e Alda Alexandre.
A formação atual do Corpo de Voz é composta por Eugênia Fraietta, Helena Di Lorenza, Helissa Oliveira, Luna Constantino, Maria Ritha Paixão, Tarsilla Couto de Brito, Thaise Monteiro, Jamesson Buarque, Lucas Frazão, Tom Jr. e Zé Pedro Araújo, na vocalização. Lino Araújo responde pela sonoplastia e Ivan William é o cenotécnico. A equipe de curadoria literária é formada por Eugênia Fraietta, Helissa Oliveira, Tarsilla Couto de Brito e Tom Jr. Thaise Monteiro é a diretora de cena e Jamesson Buarque é o diretor geral do grupo.
Agenda do grupo
Espetáculo: Livro das Águas
Data: 15 de maio, às 19h
Local: Uai Rock Bar (na Avenida C-171, qd. 604, lt. 15, Setor Nova Suíça)
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Espetáculo: Livro do Fim do Mundo
Data: 20 de junho, às 19h
Local: Casa Liberté (Rua 8, nº 510, Centro)