Dirigindo pelas ruas de Goiânia, me deparo com um carro em que estava colado o adesivo “Bolsonaro Presidente”. Estávamos em um sinal de trânsito e fiquei ao menos um minuto com a imagem do deputado sorridente, em pose de estadista, já fazendo sua campanha, sonhando com voos mais altos. A mim pareceu até que o adesivo, por si só, falava alguma barbaridade, fazia algum comentário homofóbico, diminuía de alguma forma as mulheres.
O carro era um modelo popular, mas não dos mais baratos. Bateu aquela curiosidade em ver quem estava dirigindo. Emparelhei e vi um rapaz jovem, de no máximo 20 ou 22 anos. Parecia rumar para a universidade, já que depois tomou o caminho da Praça Universitária. Lancei sobre ele um olhar de curiosidade antropológica e me pus a perguntar a razão de aquele menino dirigir um carro – que poderia ser dele ou não – ostentando uma propaganda eleitoral de Jair Bolsonaro.
“Pode parecer preconceito de minha parte, afinal todos têm o direito de ter suas preferências políticas, suas empatias, suas ideias de estimação. Mas tenho profunda dificuldade em compreender quem se coloca ao lado de um homem que ofende dia sim e o outro também as mulheres.”
Pode parecer preconceito de minha parte, afinal todos têm o direito de ter suas preferências políticas, suas empatias, suas ideias de estimação. Mas tenho profunda dificuldade em compreender quem se coloca ao lado de um homem que ofende dia sim e o outro também as mulheres. Nem a própria filha ele poupa, afirmando recentemente que ela só nasceu com o sexo feminino porque ele “deu uma fraquejada”. Isso sem contar a asquerosa frase “Eu falei que não ia estuprar você porque você não merece”, dita a uma colega de Parlamento do alto da tribuna da Casa do Povo.
Bolsonaro, com seus ataques a homossexuais, com sua mentalidade racista – lembram-se do episódio em que, perguntado pela cantora Preta Gil como reagiria se um filho seu se apaixonasse por uma mulher negra, ele respondeu que isso não aconteceria porque sua família “teve boa educação” –, com suas homenagens a torturadores da ditadura militar que, resta provado, praticaram crimes inomináveis, é um homem que a mim só causa repulsa e desprezo. E eu tenho, confesso, perplexidade ao me deparar com pessoas inteligentes e corretas que o apóiam. Fico ainda mais atônito quando uma pesquisa o coloca já em segundo lugar na preferência dos entrevistados para ocupar a Presidência da República.
Talvez boa parte dos futuros eleitores de Bolsonaro apenas estejam revelando o troglodita que existe em cada um de nós, acredito que sem exceção. Como diz a canção, trazemos dentro de nós o céu e o inferno. Somos anjos e demônios, de acordo com as circunstâncias. Somos capazes de atos deploráveis e de gestos redentores. O problema é que a quantidade de nossos capetas que andam circulando por aí aumentou e eles se revelam no cotidiano com menos pudor e mais violência.
“O problema é que a quantidade de nossos capetas que andam circulando por aí aumentou e eles se revelam no cotidiano com menos pudor e mais violência.”
O episódio do assédio sexual cometido pelo ator José Mayer é um emblema disso. Galã consagrado da TV, detentor de alguns dos principais papeis da teledramaturgia nacional há pelo menos 30 anos, o astro global se deu ao direito de tocar, xingar, humilhar uma colega de empresa. E admitiu que não só o fez, como tal comportamento era quase atávico em seu caso. E culpou a geração da qual faz parte, vítima de uma criação machista.
Sim, é verdade. A geração que José Mayer integra é, de fato, machista e patriarcal. O mundo mudou e ela foi pega de calça curta, surpresa em descobrir que aquilo que sempre fez com as mulheres não é correto, não é direito, não é decente. Estaríamos, porém, diante apenas de um problema geracional? Acredito que não. Vejo essa justificativa mais como uma muleta na qual se escorar quem não resiste a deixar seu ogro interno sair. E ele está lá, pronto a gritar, a assediar, a agredir.
O que mais me chama a atenção – e me preocupa – é que o ogro não é visto com maus olhos por todos. Na última edição do reality show Big Brother Brasil, um participante que, claramente, instituiu uma relação abusiva com todos, sobretudo com as mulheres, ganhou fã clubes, admiradores, defensores mesmo. Aplaudido nas redes sociais, ele eliminou nas votações do público vários de seus competidores e foi saudado por boa parte de quem assiste o programa. Na verdade, ele só não ganhou o programa porque uma delegada o indiciou por violência contra a mulher e obrigou a Rede Globo, que até certo ponto lucrava audiência com a polêmica, a eliminá-lo da competição.
“O troglodita não só está solto fazendo o que bem entende como ainda recebe apoio para continuar sua saga.”
O troglodita não só está solto fazendo o que bem entende como ainda recebe apoio para continuar sua saga. Muitos homens, por exemplo, ignoram – ou fingem não saber – que obrigar sua esposa a praticar sexo quando ela não quer é não só um tipo grave de assédio, como muitas vezes se configura num estupro. Muitos pais de família incentivam seus filhos a serem “pegadores” e condenam suas filhas caso elas tenham comportamento semelhante. E muita gente concorda com a afirmação que a mulher é atacada por um homem também porque “provoca” com roupas curtas.
Com tudo isso, não é de se admirar que Jair Bolsonaro, com sua misoginia explícita, sua agressividade incontida, seus arroubos de preconceito seja vice líder nas pesquisas de opinião para a Presidência da República. Ele representa esse nosso lado sombrio, essa força interior que nos faz podermos ser nocivos com o próximo. Ele é o homem que nosso troglodita interno quer ouvir.
Ele também pode ser o homem que vai legitimar os atos condenáveis que nosso troglodita interno queira praticar. Ele é o espelho em que vemos também o reflexo do galã desrespeitoso, do BBB descontrolado, do menino do adesivo no carro. Gente que não reconhece no próximo um semelhante, mas que busca antípodas o tempo todo contra os quais possa declarar sua guerra e, assim, deixar o troglodita, o ogro, seu ser selvagem à vontade.
Amigo, vc esta se informando pelas vias corrompidas. Pura Fake News. Este blablabla calunioso ficou no passado.
“Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é”