Todo personagem mítico pode ser definido em si mesmo e por si mesmo, e tem de certo modo uma essência; esta essência corresponde a uma realidade que, definitivamente, deve pertencer à ordem da natureza, uma vez que está representada por um ou outro deus nas mais diversas civilizações.
Jean-Pierre Vernant
Na mitologia grega, os deuses organizaram a forma caótica da existência e criaram elementos que a regem. O mito dos deuses é o cerne dessa força regente, mas, para além disso, há também o mito dos heróis.
Incansáveis ajustadores da eudaimonia, os heróis estão sempre lutando para defender a justiça no mundo. Ao mesmo tempo, tentam construir algum espaço que possam chamar de seu. Segundo Junito de Souza Brandão, a palavra “herói” significa “aquele que nasceu para servir”, e preservar a ordem.
O problema é que a ordem é uma imposição. Em última instância, o herói serve ao poder. Se os subordinados estiverem do lado de quem protege o herói, eles também receberão a proteção justa. Se não, só outro deus para ter misericórdia.
Os heróis sempre tiveram influência sobre os simples mortais, pobres homens que jamais se erguem à altura desses seres de condição “sobre-humana, mas não divina”, segundo Mircea Eliade.
O mito que os constrói nasce das narrativas que imperam sobre a origem de um lugar, uma cidade, ou a destruição dela. O surgimento de Roma, por exemplo, está ligado aos irmãos Rômulo e Remo, criados por uma loba. Já o mito de Ulisses é feito pela destruição de Troia.
Todo mito é criado a partir de uma “força que atua silenciosamente e age inconscientemente”, como escreveram os irmãos Grimm, citados por André Jolles, em Formas simples. Assim foi forjado o mito de fundação do estado de Goiás, na figura do Anhanguera, que, num só gesto, teria dado a ignição do fim de um povo.
Se os heróis cosmogônicos respondem ao poder dos deuses, os heróis histórico-políticos respondem ao poder de uma elite política e econômica (geralmente em nome de Deus). Se o poder que erigiu o personagem for do povo, o setor narrativo costuma ser a hagiografia, e não a mitologia; e aí, não se trata de um herói, mas de um “santo”.
Os bandeirantes tiveram sua figura histórica construída pela memória historiográfica e iconográfica como de heróis de uma narrativa que não tem nada a ver com uma parcela considerável da sociedade brasileira, pretos e indígenas (escravizados e dizimados). Foi assim em todo o processo de colonização europeia sobre o mundo.
Não foi só no Brasil que existiram os sangrentos desbravadores, chamados de bandeirantes. O mesmo perfil pode ser visto nas incursões das colônias americanas de línguas espanhola, inglesa e francesa. No mundo hispânico, houve el conquistador (o conquistador).
O bandeirante dos EUA é chamado de the American pioneer (o pioneiro americano), e, entre os franceses, vimos a figura de le coureur de bois (corredor da mata, no Canadá francófono, em algumas ilhas do Caribe e na Guiana Francesa).
Todos tiveram suas imagens históricas construídas cuidadosamente para deixar de ser assassinos de indígenas, saqueadores de riquezas, exploradores do trabalho alheio e ganharem o status de pioneiros, empreendedores, almas destemidas, espíritos construtores da civilização.
Sua heroicização é eternizada “em monumentos a céu aberto e cultuados em quadros antigos, nos salões assépticos dos museus”, como bem descreve Manuel Pacheco Neto, em A escravização indígena e o bandeirante no Brasil colonial: conflitos, apresamentos e mitos.
Dualidade interessante
É neste sentido que a figura do Anhanguera é mítica. E, como de praxe, o mito é maior do que sua figura histórica. E neste caso específico, não é ele, são eles. Quando falamos deste nome, estamos falando de um complexo que se expressa nas figuras do pai e do filho.
O complexo começa com o progenitor abrindo os trabalhos da mitificação. Em 1682, ao perceber mulheres indígenas com missangas adornadas em pepitas de ouro, o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, o pai, encheu uma bateia de álcool sobre a qual ateou fogo, e ameaçou fazer o mesmo com as águas do rio Vermelho, se os gentios – os goyá, no caso – não dissessem onde havia ouro em abundância.
Mas quem dá o tom da obra – quem ergue uma estrutura de poder capaz de sustentar a gênese mitológica que atravessou os tempos – é o filho. E hoje, mesmo entre os grupos mais bem-informados, o nome Anhanguera é citado como se fosse de uma só pessoa.
Até no hino do estado de Goiás (com letra de José Mendonça Teles, e música de Joaquim Jayme), pai e filho aparecem cosidos numa só figura:
“Santuário da Serra Dourada
Natureza dormindo no cio
Anhanguera, malícia e magia
Bota fogo nas águas do rio
[o pai, em 1682]
Vermelho, de ouro assustado
Foge o índio na sua canoa
Anhanguera bateia o tempo
Levanta, arraial Vila Boa!”
[o filho, em 1727]
A letra não diz que os dois gestos (atear fogo nas águas e levantar o arraial) foram realizados pela mesma pessoa. Pelo contrário, faz uma síntese poética no verso “Anhanguera bateia o tempo”, sugerindo que o fluxo da vida girou como a ganga colocada na bateia, que expele o cascalho e deixa o ouro. Vila Boa é o ouro, é fruto do ouro, mas o tempo girou, não era mais o velho, era o novo Anhanguera a depurá-lo.
Alguns livros que narram a história dos Anhanguera também fazem parecer no título que se trata de uma só pessoa. Assim lemos As bandeiras e o Anhanguera, de Benedito Rosa; O caminho do ouro – uma nova bandeira pela trilha do Anhanguera, de João Garcia; O caminho do Anhanguera – a inédita história do Brasil Central, de Gustave Chauvet; O caminho do Anhanguera, de Nestor Goulart Reis.
Todos falam do pai e do filho, obviamente. É como se o herói fosse uma figura só, construída a partir de duas pessoas. Não se trata de um duplo, porque o conceito de duplo pressupõe uma dicotomia entre o bem e o mal, como em O médico e o monstro, de Stevenson. Mas, em todo caso, trata-se de uma dualidade.
Em Goiás, a heroicização do Anhanguera é forte, e sua figura mítica está presente mais do que em livros e museus assépticos. Seu nome está em diversos tipos de instituição e lugares, principalmente na capital: Avenida Anhanguera, por onde corre o Eixo Anhanguera de transporte público; Parque Anhanguera, o bairro; Rádio CBN/Anhanguera; TV Anhanguera; Faculdade Anhanguera.
A estátua do Anhanguera permanece altiva no epicentro do encontro das avenidas Goiás e Anhanguera. Na esquina desta com a Tocantins, há o edifício batizado como Condomínio Anhanguera. Na Vila Concórdia, há uma rua chamada Anhanguera.
A segunda menor cidade brasileira (IBGE) se chama Anhanguera, situada às margens do rio Paranaíba, em Goiás, na divisa com Minas Gerais, num ponto onde o sertanista pai acampou com seu grupo, segundo Benedito Rosa. Em Anápolis, há (houve?) o Anhanguera Esporte Clube (fundado em 1955). Em Bonfinópolis, há o Clube de Tiro e Caça Anhanguera.
Além disso, segundo Ofélia Monteiro, em Como nasceu Goiânia, a edição de 5 de outubro de 1933 do jornal O Social abriu um concurso para a escolha do nome da nova capital. Anhanguera ficou em segundo lugar, com 26 votos dos leitores.
Quem ganhou a disputa, mas não levou, foi Petrônia, com 105 votos. Em 2 de agosto de 1935, Pedro Ludovico assinou o decreto que criou o município da capital, dando-lhe o nome de Goiânia.
Os sufixos “onia/ania”, de etimologia obscura, traduzem uma ideia de “origem”. Como sugere Jales Guedes Coelho Mendonça, em A invenção de Goiânia: o outro lado da mudança, Petrônia significaria “cidade de Pedro”, em que a palavra “cidade” deveria vir entre colchetes. Seguindo o mesmo raciocínio, Goiânia viria a ser “[cidade] de Goiás”, um irônico princípio lampedusiano de mudar o nome para continuar o mesmo.
Em todo caso, a originalidade da formulação do nome é devida ao poeta e magistrado Manoel Lopes de Carvalho Ramos, autor do poema Goyania, de 1896, mais conhecido por ser pai do escritor Hugo de Carvalho Ramos. Curiosamente, o nome Goiânia aparece duas vezes entre as sugestões dos leitores no concurso de O Social.
Em São Paulo, a referência ao mítico Anhanguera também está presente numa rodovia, e, cortando o chão de lá para cá, no chamado Caminho do Anhanguera. Na capital, há uma discreta escultura em a homenagem ao Anhanguera filho, na Avenida Paulista, e pelo interior do Estado, muitos batismos homenageiam a ambos. Campinas, por exemplo, é carregada de sua memória.
O herói trapaceiro – solércias
Bartolomeu Bueno da Silva, o pai, é uma figura histórica obscura. Ninguém sabe em que ano nasceu, nem em que ano morreu. Sabe-se que viveu no século XVII. Mas seu perfil biográfico é tão obscuro que, ao escrever sobre ele, Benedito Rosa usa o recurso da ficção histórica, e o define numa frase lapidar: “Foi personagem da História que sua geração escreveu”.
O interessante é que Afonso de E. Taunay diz que a expedição do primeiro Anhanguera foi uma das que deixaram “avultada documentação”. Mas, contraditoriamente, a figura mesma do homem quase não aparece. Só quando surge o filho é que vemos as citações e as colocações históricas que situam “o homem e suas circunstâncias” no espaço e no tempo.
Embora o personagem histórico do pai tenha existido, a narrativa em torno dele é toda construída nos poros do silêncio, forjada pelo inconsciente. E é justamente essa lacuna que dá espaço para o forjamento do mito. Em todo caso, o que importa neste heroísmo baseado numa dualidade, que por si só já é uma ficção audaciosa, é a força da solércia, o vigor narrativo apoiado na esperteza.
Neste sentido, e só neste sentido, o mito de Ulisses é tangenciado pelo do Anhanguera. Ambos eram trapaceiros. Ulisses enganou os troianos com o famoso cavalo de Troia. O Anhanguera deu aos goyá a perspectiva de um rio todo em chamas.
O truque de um resultaria na efetivação da violência e do fim de um povo. O truque de outro era puro espetáculo, truque de mestre diante dos olhos de um povo espantado que, não por isso, também foi extinto.
Por causa desses feitos, ambos têm epítetos que revelam seu caráter, por trás da máscara de heróis. Eram solertes e tinham uma hybris destruidora. Ulisses foi chamado de prudente, habilidoso, “industrioso, fértil em recursos”, mas também de agente do embuste.
De igual modo, Bartolomeu tinha seus epítetos, como o “incansável devassador de desertos”, segundo Afonso de Taunay, e “bruxo feiticeiro”, segundo Cora Coralina. Mas também era um embromador de sentidos, um espírito enviesado a serviço da coroa, o anti-herói que nos pariu.
Ulisses é herói e anti-herói também (sugeriu que matasse o príncipe herdeiro de Troia, uma criança de oito anos, para não vir a se vingar depois). Uma variante do mito diz que Ulisses era filho de Sísifo, que enganara a morte.
O próprio rei de Ítaca, para não ir à guerra e permanecer ao lado de sua amada esposa, fingiu-se de louco, arando as areias do mar com um boi e um burro atrelados a uma charrua. Era bisneto de Zeus por parte de pai.
Por parte de mãe, Ulisses era bisneto de Hermes (o comunicador, deus do vento, mas também deus dos ardis e das trapaças, como diz Junito de Souza Brandão). Era neto de Autólico, que fora instruído por Hermes na arte de perjúrio e furto. Ou seja, era uma família da pesada.
Pobre-diabo
Os heróis são oriundos de grupos ancestrais importantes na genealogia de sua sociedade, possuidores de astúcias e inteligência superior, dispostos a morrer pela causa. São “guerreiros, combatentes intrépidos”, segundo Brandão, falando da mitologia grega.
Bartolomeu Bueno da Silva não tinha esse pedigree, porque não era grego, nem de uma cultura simbólica milenar, era paulista, e ser paulista na sua época era ocupar um lugar não dos mais opulentos. Segundo Eduardo Bueno, em Brasil – uma história, por causa dos bandeirantes, a cidade de São Paulo chegou a ser chamada de “reino do temor, ganância e miséria”.
O governador-geral de Pernambuco Caetano de Melo e Castro, diz Bueno, chamava os paulistanos de “gente bárbara, que vive do que rouba”. Mesmo assim, em se tratando de reputação, os Bartolomeu tinham um valoroso background de sertanistas.
“A família Bueno era tão respeitada nos campos de Piratininga que se dizia à época que ‘quién no és Bueno, és malo”, diz João Garcia, em O caminho do ouro – uma nova bandeira pela trilha do Anhanguera.
Na característica física dos heróis, há sempre um déficit. Neste quesito, o pai-fundador de Goiás estava à altura dos personagens mais vivos nas narrativas atuais. Moisés era gago. Ulisses, “além de feio, era de pequena estatura”, diz Junito de Souza Brandão. Ou seja, era uma espécie de Sartre helênico das estratégias de guerra. Brandão cita ainda Licofrão, que, em Alexandra, chama o rei de Ítaca de anão.
Édipo tinha os pés inchados, que é o que significa seu nome. Bartolomeu Bueno da Silva, o pai, ingresso no hall dos heróis não mitológicos, também tem sua marca. É chamado de Anhanguera pela associação entre seu gesto de “magia” aos olhos de quem via, entre os goyá, e o aspecto de um homem velho, com juncos na pele, cabelo desgrenhado, olhos terríveis, e ainda por usar roupas esfarrapadas, de quem adentrou a selva e se alinhou a ela.
Teodoro Sampaio, em O tupi na geografia nacional, registra uma série de acepções da etimologia tupi para “anhanguera”, entre elas: “anhan-goéra”, que vem de “anhangay, ‘a água ou rio do diabo’; e “anhã-guara, a cova ou caverna do diabo”. “Anhã-goéra” seria, portanto, “o espectro, o fantasma; um diabo consumado”.
Tupi or not tupi?
O mais interessante dessa história toda é que a palavra “anhanguera” é da língua tupi, e os goyá viviam num território dominado por um grupo étnico completamente diferente dos tupi-guaranis, os gês, estes considerados inimigos mortais daqueles.
Ninguém tem evidências da origem étnica dos goyá. Talvez, o pressuposto mais acertado fosse dizer que eram do tronco macro-jê. Mas, sendo jês, como e por que os goyá apelidariam o velho Bartolomeu numa língua que sequer pertencia ao tronco da língua deles?
A resposta para esta pergunta pode estar na origem da construção do mito. A própria palavra “goyá” vem do tupi, e não da língua do grupo étnico em questão, e quer dizer “parecido”, ou “gente da mesma raça”, segundo Marlene Castro Ossami de Moura, em Índios de Goiás – uma perspectiva histórico-cultural.
Quem deu esses nomes foram ou os bandeirantes, que falavam nheengatu ou tupi e saíam por aí nomeando tudo que encontravam pela frente, de gente a bicho e lugares, ou as nações amigas ou subjugadas, falantes do tronco tupi-guarani, como os aimoré e os guaianás, que faziam parte da bandeira do Bartolomeu pai.
No livro História dos índios no Brasil, por exemplo, Terence Turner diz que o nome “kayapó” também é de origem tupi, e significa literalmente “como macaco”. “O nome que os kayapó dão a si mesmos”, comenta Turner, é “‘mebengokre’, que significa literalmente ‘gente do espaço dentro da(s), ou entre a(s), água(s)’”.
No caso dos goyá, não houve tempo para dizerem, ou que se registrassem, quem eram eles, como eles denominavam a si mesmos. Eles entram para a história como personagens de uma ficção criada ao longo dos séculos.
O mito como receita
A história da nomeação dos outros pelos colonizadores é também a história da heroicização de seus próprios agentes. O que está contado é na base do “dizem que foi assim”, e assim fica a narrativa, plasmada no imaginário.
O gesto que consagrou Bartolomeu Bueno, o pai, por exemplo – de colocar álcool numa vasilha e fingir que era água, ateando fogo e ameaçando queimar um rio inteiro –, nem era original, ou sequer acontecera, segundo conta Eduardo Bueno, em Brasil – uma história.
“Parece não haver dúvida de que, anos antes, o truque foi de fato utilizado, em Minas, por Bento Pires, um dos primeiros descobridores do ouro das Gerais e uma das primeiras vítimas da Guerra dos Emboabas”, diz Bueno.
O velho Bartolomeu certamente conhecia essa história, guardou a informação na cabeça – gostando do truque – e reaplicou nos incautos gentis goyá. Instalou o gesto no artefato simbólico que ergueu seu mito, e seus sucessores fizeram-no entrar no imaginário goiano como um produto importado de Minas Gerais, como se importam receitas de arroz com pequi, pão de queijo e empadas.
O fato é que essa história chegou até a modernidade, tornando-se a narrativa mitológica da fundação de Goiás. Quando Goiânia foi projetada por Attilio Corrêa Lima, a ideia original era que se construísse um monumento grandioso na Praça Cívica, no cruzamento dos eixos que perfazem o diâmetro da Rua Dez à Rua Dona Gercina Borges Teixeira (antiga Rua 26), pegando as avenidas Tocantins, Goiás e Araguaia.
O monumento teria como ponto focal a figura do Anhanguera, diz a arquiteta Anamaria Diniz no livro Goiânia de Attilio Corrêa Lima (1932-1935) – ideal estético e realidade política. Segundo ela, que dedicou seus estudos de mestrado e doutorado à vida e à obra de Corrêa Lima, ele teria compreendido a figura de Pedro Ludovico como a de um bandeirante moderno, representante altivo da política de bandeiras da marcha para o Oeste de Getúlio Vargas.
“Pedro Ludovico se identifica com o Anhanguera e usa o discurso do desbravador e do herói para construir Goiânia […]. O urbanista Corrêa Lima traça um monumento coerente com o pensamento político, autoritário e centralizador”, diz Anamaria. No final, o projeto sofreu tantas mudanças que não sobrou quase nada da grandiosidade pensada. Restaram, no lugar da obra planejada originalmente, o Monumento às Três Raças e um coreto.
À frente da construção da nova capital, Pedro Ludovico deixava que sua imagem se atrelasse ao do bandeirante. Em 1937, um jornalista de Ribeirão Preto, no jornal A Tarde, por exemplo, chegou a chamá-lo de “novo Anhanguera” e “ancestral de pajés”, conforme consta em Como nasceu Goiânia.
Em Goiânia de Attilio Corrêa Lima (1932-1935), Anamaria Diniz consegue desenhar bem o perfil entrelaçado do Anhanguera e de Pedro Ludovico, pensado pelo arquiteto e paisagista para representar a aura de poder da nova capital goiana:
“Quando Corrêa Lima projetou o monumento em homenagem ao Anhanguera no centro da Praça Cívica e traçou a partir dele todas as principais avenidas da cidade, sendo ele visto por todos que chegam à cidade, o bandeirante está no ‘ponto mais alto e é avistado’ de qualquer lugar, o urbanista está se referindo ao ‘rei’, o interventor Pedro Ludovico Teixeira. É o interventor, o ‘Duce’, o ‘Führer’, como um deus, quem está em todos os lugares, onipotente, no centro das atenções, dele parte todas as ações, todos podem vê-lo de qualquer ponto e o Centro Cívico, a cidade só tem sua materialização por conta da vontade do ‘desbravador’, do herói, a ele todos os seus ‘súditos’ devem a existência da nova e moderna capital.”
Isso põe abaixo a ideia de que o traçado é uma referência ao manto de Nossa Senhora. “A cidade é pensada sob o ponto de vista do bandeirante, a ‘cabeça do triângulo’ não é a da santa, mas a do ‘rei’ mascarado de Anhanguera”, diz ainda Anamaria Diniz.
O fato de o estado levar o nome dos índios dizimados pelos colonizadores, representados aqui por Anhanguera, e a capital oferecer como símbolo principal o nome de Anhanguera, o algoz dos goyá, revela um registro afirmativo de dominação.
A narrativa por trás do mito sustenta uma afirmação de poder que diz “tomamos tudo de vocês. Tomamos seu ouro, suas terras, suas vidas. Sua história nos pertence. Nada lhes restou, nem mesmo o nome, que não é mais seu. É nosso”.