Não era só porque o bandoneón atacava uma melodia ora nervosa, ora lírica, ora mansa – era principalmente por causa do tango feroz que mordia a barra do seu vestido e fazia a sua alma dilacerar-se e ganir como um perro faminto.
Derramando tristeza e inconformismo, ela pensou:
“O meu último suspiro jamais será ouvido por aquele que me destrói” – e derramou algumas lágrimas quando pensou em todos os seus momentos atrelados ao homem que amava apesar das restrições.
O desencanto dessa mulher inconsolável tinha um peso que ele nunca conseguiria abarcar, mesmo que os seus braços medissem dois metros. E jamais seria, nessa noite, a última – a que a levara ao pequeno teatro e aonde ele não pretendia ir para encontrar-se com ela – que fecharia uma história de amor repleta de idas e vindas, de brigas e reconciliações. Ao seu modo, e na brutalidade costumeira que o caracterizava, ele também tinha as suas razões, ressentidas e incongruentes, que não compreendia devidamente.
O homem que não tinha ocupado até aquele momento a poltrona ao seu lado insinuava, contudo, uma presença maligna na sua ausência. A mulher olhava para o lugar vazio, e o hálito da derrota a humilhava.
“Pobre cachorrinho raivoso, por onde tu andas nessa cidade corrupta?” – perguntou-se e continuou com a divagação: “Você deveria ter continuado no esgoto, ou no inferno, de onde nunca deveria ter saído.”
Em algum bar, ambiente certamente de má fama, o cara jogava sinuca, reconhecendo que o tango nunca fora o seu gênero predileto de música, mas tinha em conta que a sua mulher o adorava, a ponto de cantalorar certas canções de Gardel.
Naquela noite, havia no teatro uma plateia pequena e atenta, os aficionados, um público que, sem querer, iria assistir ao seu desmoronamento amoroso. Desde a sua juventude, a identificação com o tango preenchia o seu coração de tal modo que a fazia sentir-se como uma dançarina em uma casa de San Telmo. A mulher infeliz estava num lugar fronteiriço, ouvindo o recital como a um réquiem. A cada acorde, um tremor abalava o seu corpo, e esse abalo repercutia-se pelo braço da poltrona e desmanchava-se no piso.
Ao seu lado, porém, o assento continuava desocupado.
Depois da primeira récita, ela se conformou com o fato de que ele não viria. E, a despeito dessa convicção, tinha ainda vívida na cabeça a frase que o sacana dissera:
“Piazzolla? Claro! A gente se encontra no hall.”
E foi isso o que ele prometera em seguida:
“A gente se vê no salão. Vamos resolver tudo nessa noite, como prediz o tango.”
Depois de sua resposta, ela não sentiu convicção, tanto que, em seu zelo, não hesitou em confirmar:
“Você está falando sério ou é mais uma de suas babaquices?”
E agora, na execução da terceira música, o bandoneón e as cordas rasgavam mais e mais o cetim de sua alma com garras cortantes.
Com movimentos discretos, olhou para os lados procurando o vulto do homem aproximando-se na semiescuridão. O estado psicológico que a mantinha poderia conduzi-la a uma síncope, mas conseguiu pensar ainda uma frase com sentido completo, e isso evitou que ela desfalecesse:
“Pode ser que ele chegue para a próxima música.”
Um violino iniciou um solo cuja melodia lembrava uma súplica que o bandoneón ampliou com notas mais tristes e extensas. Nesse momento, quando as frases da orquestra se transformavam em um andamento solene, ela fechou os olhos e sonhou com uma vida nova, longe daquela cidade que tanto a fizera sofrer e nunca lhe dera um ano completo de alegrias, nem um minuto de surpresas doces.
Quando o concerto terminou, finalmente conformada mais uma vez com o fiasco que fora a sua noite, pegou o seu casaco, levantou-se e desceu as escadas. Ao chegar ao vestíbulo, ele estava lá em pé, fumando um cigarro, com olhar de desdém, o predador orgulhoso que liderava a matilha. Ela ainda tentou sorrir para ele, como se o desculpasse.
Os dois primeiros tiros fizeram-na arquear, mas foi o terceiro que a derrubou sobre o piso de granito. Diluindo-se em uma poça de sangue, a mulher ainda se mexeu algumas vezes, enquanto o assassino abriu a porta do teatro com empenho notável e ganhou rapidamente a rua, desaparecendo no meio das árvores e da luz escassa.