[Curadoria de Luís Araujo Pereira]
[1]
amigo secreto, querido amigo secreto
amigo secreto, querido amigo secreto
não conto a ninguém se não a você
querido amigo
de outros carnavais e fantasias, querido
amigo que nunca vi
seu rosto pisa no impisável da minha nuvem
me diga amigo aí do alto
quando é que chove
estou destelhado, quando é querido
amigo secreto
que vai chover nesses olhos tão secos
movediços?
• • •
[2]
{b}
coisinha, não danço, deslizo nos salões
do seu imaginário
deslizo apenas por imaginação
um ponto na cabeça, sonho sem hora
sonho sem riso
(as horas somos nós ou foi apenas quereres?)
quebraram o relógio que rodava nessa parede
você viu, coisinha?
me sento nas escadarias da minha mente
e choro
vou abrir meu coração e colocar em um poema
isso talvez baste
sou menino demais para um mundo tão velho
aqui os sapos pescam o ar
coisinha
e o sorvete congelou minha cabeça
se derretem minhas palavras na sua boca confusa
essa boca já nem fala
ela difusa
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[3]
meu melodrama: bossa nova
meu melodrama: bossa nova
esta semana parece que tudo vai cair ao meu redor
estou na mesma há três anos e alguns meses
agora
penso muita coisa indecente
quando me deixam sozinho
com as horas
apenas alguns corpos me separam de um suicídio
minha mãe chorou no aniversário passado
com um poema meu
alguns amigos estão procurando emprego
um deles foi buscar meu cigarro
na cozinha
enquanto um pássaro feioso cresce dez metros
dentro do peito
ouço a queda dos primeiros aviões de papel
• • •
[4]
ensaiamos nosso romance, sempre pensei
ensaiamos nosso romance, sempre pensei
que fosse mais fácil assim, que iríamos
desvendar o sexo dos gregos e
depois dos beijos, penetraríamos
este templo
mas me enganei, dificultando tudo, me senti
mais vulgar, mais fútil: de vazio, de mentira
de medo
por vezes me encontrei mais distante de mim
e mais perto de você, amor
e o que resta agora, os restos?
ainda posso te escrever até a porta
de saída, sem me queixar
na maioria das noites não tenho o que prometer
na maioria das despedidas não tenho
o que deixar
• • •
[5]
busco nas cenas de novembro
busco nas cenas de novembro
o rosto dela que irrompe
e o amor, esta farpa
ela dizia – está uma ótima noite
para colecionar pessoas
e enquanto eu pensava
se caberia nesta coleção
ela tricotava passes de balé
os olhos pairavam
pairavam
até se chocarem com os meus
me segurava para não cair
o coração
já tinha desabado faz tempo
e ela me tinha
impossível
como um equilíbrio sombrio
no meio-fio
Jheferson Rosa das Neves nasceu em Santa Rosa de Goiás no dia 16 de maio de 1998. Suas atividades como escritor têm início em 2016. É estudante de Letras no IFG, curso de licenciatura. Integra o Coletivo Fiasco, de experimentação literária, desde 2017. É também colaborador do Coletivo Goiânia Clandestina e do Coletivo e/ou. Tem poemas publicados na antologia O olhar inaudível (2019, prosa) e nos dois volumes da Antologia Clandestina (2017, 2021, poesia). É autor do e-book Dança comigo enquanto eles dormem (2010, poesia), lançado pelo selo Fiasco. Em 2021, pela editora Nega Lilu, publicou o seu primeiro livro de poemas Avião de papel (2021), no selo Naduk, do qual foram selecionados os poemas publicados nesta coluna.