“Eu sempre pensei que um homem jamais deveria dizer a uma mulher um ‘não’, mesmo que ela merecesse ouvi-lo” – foi isso o que o cara falou enquanto o escutava sentado numa banqueta ao meu lado no balcão. Eu degustava um uísque no único restaurante que ainda estava aberto na cidade onde pernoitaria por conta do meu ofício.
Ele apareceu de repente e ocupou o lugar vazio ao meu lado.
Pelo espelho, à minha frente, no fundo das prateleiras, eu o vi aproximar-se: era um sujeito de ombros caídos e olhos de cachorro triste. Ao se acomodar, examinou-me de esguelha e perguntou se eu estava esperando alguém. Respondi que não. A conversa que entabulou em seguida incluía futebol, automóveis, política miúda e, óbvio, mulheres. Os homens noturnos costumam conversar sempre sobre os mesmos assuntos.
“Aquelas que desperdiçam perfume e, mais tarde, tornam-se gatas sonsas e desmioladas, reclamando do preço do Chanel Nº 5.”
O assunto, é claro, não era dos mais arrebatadores, mas, sem exigência, dava para gastar o tempo, uma vez que eu estava entediado por ser obrigado a dormir naquela cidade. Depois de muita conversa jogada fora, sem nenhum proveito, ele pagou a sua conta e vazou do restaurante.
“Adeus, estranho, você é só mais uma conversa mole na noite, das tantas que encontro pelo meu caminho.”
Eu tinha acabado de chegar à cidade e procurava um hotel quando o motorista do táxi sugeriu-me o espanhol.
“Na mesma rua, saindo do hotel e virando à direita, você encontra o restaurante.”
“O Don Juan” – concluiu.
Depois de me instalar no hotel, peguei a direção da rua para chegar ao local que me tinha sido recomendado. O nome estava estampado na fachada, cada letra resplandecendo uma cor.
Além de uns tragos e de um prato razoável, eu não sabia o que procurava ali, fora a curiosidade natural do forasteiro de descobrir um lugar interessante, divertido, sedutor, que pudesse ser anotado na agenda.
Com esse propósito, empurrei a porta e me encontrei dentro de uma antessala com duas entradas laterais. A porta da esquerda foi aberta num átimo e me deparei com o garçom, um sujeito ruivo, que me ofereceu uma fresta do lugar – e depois indagou:
“É a primeira vez no Don Juan?”
Assim que entrei, dirigi-me diretamente ao balcão, pois, quando estou sozinho, uma longa prancha de madeira na horizontal é a melhor plataforma para os tragos repousarem.
O garçom perguntou-me a bebida.
“Bourbon, com duas pedras.”
Dando uma geral no ambiente, girei a banqueta e tive uma visão completa do restaurante que tinha ficado provisoriamente escondido às minhas costas. O Don Juan não era um espetáculo, mas tinha um charme que poucos do mesmo tema poderiam suplantar, não só pela decoração bem-arranjada de motivos flamencos, mas, antes de tudo, pela iluminação indireta e pelos pequenos abajures sobre cada mesa, que tremeluziam.
Enquanto estava à vontade no meu terceiro uísque, sem mais nem menos, uma mulher sentou-se ao meu lado. Num relance, não sei se vi a Andaluzia em seus olhos, os cílios longos prolongando os olhos de águas azuis, ou se tive uma visão que perturbou a minha cabeça. A comparação é um fiapo do delírio?
Ou, de outro modo, em outro relance, se vi uma mulher do Mediterrâneo: qual homem não gostaria de beber aqueles olhos banhados de mar?
O barman aproximou-se de novo e, depois de a mulher ter-se acomodado na banqueta, ele perguntou a bebida:
“Se o moço aqui ao meu lado me oferecer um drinque, eu aceitaria um escocês, bem caprichado” – e sorriu, desenhando certa malícia nos lábios vermelhos.
De algum lugar do meu cérebro, veio-me a lembrança do cara que, havia pouco tempo, no mesmo lugar, usando outras palavras, falou algo parecido:
“Qual metáfora pode ser equiparada a um cão que uiva o seu ocasional desejo?”