Se alguém tivesse filmado meu rosto, veria nele a expressão do espanto! Ou da mais ampla e completa ignorância de minha parte. Ou da mescla dos dois, vá lá… Fato é que fiquei perdidinho da silva no dia em que fui ao Arraiá do Cerrado, evento realizado na semana passada no Centro Cultural Oscar Niemeyer, aqui em Goiânia.
Esperando o show do cantor Fagner – sim, sou das antigas –, houve uma apresentação prévia de uma dupla, Cíntia e Lucas, salvo engano. Ok, muito prazer. Nunca tinha ouvido falar, o que não quer dizer muita coisa. Não acompanho tanto assim a cena sertaneja. Nem no Villa Mix eu vou.
A moça e o rapaz começaram a cantar uma música que também jamais ouvira antes. Ok novamente, é a canção de trabalho da dupla e, como eu não conhecia os cantores, por qual razão conheceria seu repertório, não é mesmo? Aí vieram a segunda, a terceira, a quarta canções e foi quando me dei conta de que era um peixe fora d’água.
“Nunca tinha ouvido falar, o que não quer dizer muita coisa. Não acompanho tanto assim a cena sertaneja. Nem no Villa Mix eu vou.”
Sim, havia muitas outras pessoas com nenhum interesse nos dois jovens sobre o palco, esperando mesmo o Fagner. Mas não é que tinha um punhado de gente que se animou? E que sabia cantar as músicas? E sabia até a coreografia? A cantora anunciou uma como sendo “arrocha”. Outra, mais lenta, como sendo “sofrência”. Não, não vivo em outro mundo. Muito pelo contrário, vivo em Goiás!
Claro que já, em algum momento, ouvi menções e melodias dos dois ritmos. O Wesley Safadão e seu 1% estão aí, ainda que o que ele canta possa ser considerado um forró misturado com axé e sertanejo universitário… Ou será que não? Bem, a tal da sofrência também está na mídia. Tem um gordinho chamado Pablo, que se intitula pelo modesto predicado de “gostoso” e que arrebenta a goela cantando – ou gritando – isso em vários programas de TV e nas rádios.
Eu, porém, descobri, sem nenhum tipo de elitismo de minha parte, que estou completamente alheio a tais movimentos musicais. Não sei nem o refrão das tais canções – e olha que eles costumam grudar. E fiquei mais pensativo porque tenho a consciência de que não era assim antigamente.
“Eu, porém, descobri, sem nenhum tipo de elitismo de minha parte, que estou completamente alheio a tais movimentos musicais. Não sei nem o refrão das tais canções – e olha que eles costumam grudar. E fiquei mais pensativo porque tenho a consciência de que não era assim antigamente.”
Em outros tempos, os ritmos da moda, que mobilizavam multidões, eram do meu conhecimento! Eu já fui em show do É O Tchan na Pecuária, pessoal! Sei cantar Boate Azul. Já entrevistei, até com certa propriedade, duplas como Leandro e Leonardo e Chitãozinho e Xororó. Mais jovem, aceitava convites para ir a micaretas. Mas não é que perdi o bonde?
A tal da sofrência não me diz absolutamente nada. O tal do arrocha, ao contrário da lambada de 25 anos atrás, não me faz sequer seguir o ritmo dançante com aquela tradicional batidinha de pé. Mas isso não é culpa só minha. Verdade seja dita, tudo virou uma maçaroca danada, com estilos se mesclando, gente que canta em vários deles ao mesmo tempo, o que dificulta a identificação.
Eu confundo completamente os nomes das duplas novas. Não sei mais quem é quem! Nem sei mais quem canta com quem! Nem sei mais, na verdade, o que cantam! E parece que sou exceção. No Arraiá do Cerrado, o pessoal entoava letras e melodias com a maior intimidade. Uma conta um porre com quatro garrafas de Bacardi (uma espécie de bebida que não sei que gosto tem). Há outras que falam em noitadas sem fim, de namoros que não deram certo, de traições e farras.
“Eu confundo completamente os nomes das duplas novas. Não sei mais quem é quem! Nem sei mais quem canta com quem! Nem sei mais, na verdade, o que cantam! E parece que sou exceção.”
Prestando atenção nas letras, consegui apenas perceber que aquela tradicional dor de cotovelo – “Eu quero que risque o meu nome da sua agenda!” – ficou meio analógica. Agora fala-se em vinganças afetivas pelo Facebook e confusões mais digitais. Tudo se morderniza, afinal! Quer dizer, menos eu…
Sim, a minha cara era do espanto e da ignorância. E não pensem que este texto é uma crítica avassaladora. Ele, a bem dizer, é mais a constatação de que estou fora das novidades da música brasileira. Ainda prefiro esperar para ver o Fagner cantar Canteiros e Borbulhas de Amor – “Tenho um coração, dividido entre a esperança e a razão…”. Pois é, desta sofrência eu gosto.